População guarani vive em condições precárias em SP

Luciney Martins | comunidade indígena no Jaraguá, SP

Matéria publicada n Jornal O São Paulo, de 10 a 16 de agosto

“Povos indígenas sofrem com racismo, saúde precária e pobreza desproporcional; em muitas sociedades, suas línguas, religiões e tradições culturais são estigmatizadas e rejeitadas”, afirma Ban Ki-moon, Secretário Geral das Nações Unidas, que ontem, 9, comemorou o Dia Internacional dos Povos Indígenas. A afirmação do secretário comprova-se na passagem pelas aldeias guaranis, instaladas na Estrada Turística do Jaraguá, na Região Episcopal Brasilândia. Na manhã do dia 7, a reportagem do O SÃO PAULO acompanhou a visita da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Tatiana Belons Viera, de agentes da Pastoral Indigenista da Arquidiocese de São Paulo e de membros do Conselho Indigenista Missionário – CIMI.

O cenário encontrado foi de desrespeito à cultura indígena e à dignidade humana. São 199 famílias, cerca de 600 pessoas, que vivem em condições precárias, as crianças brincam em meio ao lixo e fezes de cachorros, ali abandonados pelos moradores dos arredores. Presente na cidade desde 1964, a aldeia guarani foi cortada ao meio pela Estrada Turística do Jaraguá, e hoje divide-se em duas, sendo a “de cima” ainda sem a demarcação da terra. A visita, parte da programação do curso promovido pelo Núcleo de Defesa Contra Discriminação da Defensoria Pública, teve por objetivo acolher as denúncias da sociedade e cobrar a aplicação dos direitos dos indígenas. “Eu vou instrumentalizar os relatos que ouvi e conversar com a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, com o Ministério Público Federal que está cuidando disso, perguntar o que está acontecendo e cobrar providências”, afirmou a promotora Tatiana Belons, após reunião de mais de duas horas realizada na Casa de Reza, na terra ainda sem demarcação.

“Precisamos de saneamento básico, de esgoto, banheiros, e luz elétrica, porque há pessoas aqui que precisam fazer inalação, com este tempo seco não conseguimos respirar direito, as crianças sofrem mais”, desabafou Yva Poty Mirim, em guarani, ou Eunice Augusto Martins, coordenadora do Consultório Equipe de Saúde Indígena, instalado na terra demarcada. O postinho funciona de segunda à sexta-feira e conta com a presença de uma médica.

Luciney Martins |Os guarani lutam pela demarcação da terra

A falta de saneamento básico, o lixo espalhado pelos arredores da aldeia, a inexistência da coleta de lixo, de água tratada e banheiros já foi reclamada à Subprefeitura de Pirituba, que alega ser responsabilidade da FUNAI. A fundação terceirizou a construção de 23 banheiros, contudo, as obras foram suspensas, segundo a empresa,por falta de pagamento. Não há terra para o plantio e cultivo, não há animais para a caça, a cidade cresceu em torno da aldeia e os indígenas foram se adaptando à nova realidade, às necessidades.”Nós mudamos nossos hábitos para sobreviver”, afirmou Poty Poran, a Flor Bonita, pedagoga formada pela PUC-SP e uma das 11 educadoras que lecionam na Escola Estadual Indígena Djekupé Amba Arandy. A escola alfabetiza valorizando a cultura indígena, são cerca de 120 crianças, dividas em nove salas, de 1° a 8° série. O ensino da história da população indígena é uma das manifestações de resistência da cultura guarani, que se manifesta materialmente no Centro de Educação e Cultura Indígena, criado em junho de 2004 na aldeia.

Para Pedro Macena, guarani que recebeu a visita da promotora Tatiana, dos estudantes do Núcleo de estudos da Defensoria Pública, da Pastoral Indigenista, do CIMI e da  reportagem do O SÃO PAULO, a demarcação da terra da “aldeia de cima” é fundamental para o planejamento da moradia, que deverá ser feita, segundo Pedro, com a autonomia dos indígenas. “Nossa preocupação é que estamos esperando pela demarcação há cinco anos e nós estamos aqui, morando desta maneira. Queremos um projeto que respeite a nossa cultura, a CDHU [Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano] não pode vir aqui e dizer como devemos morar”, afirmou Pedro.

A população guarani diante de sua pobreza extrema e da morosidade da FUNAI para a aplicação de melhorias, tem resistido para que sua cultura e história não se percam, prova disso foi a criação do Conselho Municipal dos Povos Indígenas, instituído em julho, pela lei n° 15248. Compete ao Conselho sugerir diretrizes e políticas públicas que promovam a melhoria da qualidade de vida dos povos indígenas, assegurando seus direitos a uma existência digna. Este é também o objetivo da Pastoral Indigenista da Arquidiocese de São Paulo, que desde 1999 trabalha junto aos povos que vivem na cidade. “O que diferencia o nosso trabalho é que somos uma Igreja de serviço. Deus é o grande Pai que acolhe a todos, e a gente acha que o mais importante é o trabalho de solidariedade, de parceria para que eles vivam bem, dentro de sua cultura”, disse Benedito Prezia, coordenador da Pastoral Indigenista na Arquidiocese.

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