Conselho Mundial das Igrejas entrega ao Ministério Público Federal, documentos sobre o período militar
A nova geração poderá ter acesso a documentos que revelam parte da história da ditadura militar (1964-1985) no país, e isto graças à corajosa iniciativa de dom Paulo Evaristo Arns, que durante o regime de exceção coordenou a cópia clandestina, de processos judiciais militares. Enviados à Suíça, na década de 80, o material foi repatriado no dia 14, na sede do Ministério Público Federal, na capital paulista e entregue pelo Conselho Mundial das Igrejas (CMI) a Roberto Gurgel, procuradorgeral da República.
São 707 processos, um milhão de cópias de documentos e 543 rolos de microfilmes, referentes aos processos da Justiça Militar, que sob a coordenação de dom Paulo, do pastor presbiteriano Jaime Wright e da advogada Eny Raimundo Moreira, no período de 1979 e 1985 copiavam os processos, nas 24h em que estavam sob posse dos advogados, e então enviavam de Brasília para São Paulo, onde eram organizados por voluntários e enviados para o exterior sob os cuidados do Conselho Mundial de Igrejas.
Com a repatriação, o Arquivo Público do Estado de São Paulo digitalizará todo o arquivo, e em um ano estará à disposição da sociedade brasileira para consulta pública no site do Ministério Público Federal. “Mais do que contar um capítulo da história das pessoas que resistiram contra o Estado autoritário, esse acervo apresenta ao povo brasileiro, um triste capítulo de arbítrio na justiça e nos órgãos de segurança pública”, disse Marlon Alberto Weichert, procurador regional do Ministério Público Federal.

Durante o ato, em São Paulo, quatro pessoas ligadas e responsáveis pela iniciativa das cópias foram homenageadas. Dom Paulo Evaristo Arns foi o primeiro. Ausente no ato, enviou mensagem dizendo que não compareceria porque não merecia homenagens, mas mesmo ausente, o arcebispo emérito foi aplaudido de pé, durante alguns minutos, pelos mais de 300 participantes, entre: desembargadores, procuradores da república, militantes dos movimentos sociais, ex-torturados, e ex-presos políticos, agentes de pastorais sociais, lideranças de várias denominações cristãs e jornalistas.
Assim como dom Paulo, o reverendo Jaime Wright, representado na ocasião por sua filha, foi homenageado. O pastor supervisionava a microfilmagem dos documentos retirados dos arquivos militares e assumia o risco de viajar diversas vezes para a Suíça para depositar os rolos de filme em local seguro. O terceiro homenageado foi o ex-Secretário de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vanucchi, que aproveitou a ocasião para falar da Comissão da Verdade: “o Poder Legislativo não pode perder a chance de aprovar a Comissão da Verdade, pois já temos 22 anos de democracia consolidada no Brasil”, disse Vanucchi.
Para Antonio Funari Filho, presidente da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo “a Comissão da Verdade é fundamental para que a nação tenha conhecimento de si mesma. A realidade está nesses arquivos”, revelou. A repatriação dos arquivos da ditadura militar desembarca no Brasil, em um momento em que o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), com o apoio de Fernando Collor de Melo (PTB-AL) defende a manutenção do sigilo eterno sobre documentos considerados ultrassecretos, ambos integram a base aliada.
“Nossa presidente foi vítima da ditadura, se ela for à favor desse sigilo, estará traindo sua própria história, é evidente que Sarney e Collor estão se defendendo dos crimes que praticaram”, afirmou Waldemar Rossi, membro da Pastoral Operária Arquidiocesana, que por anos lutou ao lado de dom Paulo contra a ditadura. Eny Raimundo Moreira, advogada idealizadora do Projeto Nunca Mais também recebeu homenagem, e a estendeu a dom Paulo: “Dom Paulo não está falando a verdade, ele merece todas as homenagens. Quero que ele receba este recado: o senhor foi aplaudido de pé duas vezes por este auditório”.
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Matéria publicada no O SÃO PAULO