Publicada em O SÃO PAULO – edição 2883, 10 de janeiro
“Como é que se leva o usuário de drogas a se tratar? Não é pela razão, é pelo sofrimento”, esta foi a afirmação de Luiz Alberto Chaves de Oliveira, coordenador de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, dia 3, no início do Plano de Ação Integrada Centro Legal. O plano foi anunciado como uma ação conjunta e articulada da Prefeitura e Governo do Estado de São Paulo, para tentar esvaziar a Cracolândia. Contudo, informações do “O Estado de S. Paulo” apontam que o prefeito Gilberto Kassab (PSB), não sabia da data da operação.
A operação, segundo a Prefeitura, conta com três fases. Neste momento, passa pelo policiamento ostensivo, com a ocupação da Polícia Militar, revista e abordagem de usuários, que têm recebido denúncias da Defensoria Pública por abusos de poder. “O raciocínio da polícia é coibir a droga, eliminando os que a recebem e não os que levam. Estão trabalhando com a consequência e ignorando a causa, e isso leva a uma ação com bombas de gás, balas de borracha”, disse padre Júlio Lancellotti, vigário episcopal para a Pastoral do Povo da Rua, que tem acompanhado diariamente a operação da Prefeitura e suas consequências.
“Algo tem de ser feito, mas não pode ser feito de qualquer maneira. Soluções
imediatistas em geral são aparentes, superficiais e lançam mão da violência e da repressão, como nós estamos vendo”. Padre Júlio repudia o método de causar sofrimento aos usuários. “Causar dor e sofrimento para alguém deliberadamente, de maneira planejada intencionalmente se chama tortura, isso é crime”, denunciou.
Na segunda fase, a prefeitura garante que usuários serão encaminhados para
tratamento, com possibilidade de internação involuntáriaem um dos seus centros de acompanhamento a usuários de crack, que hoje são duas unidades de Ambulatórios Assistenciais Médicos (AMAs) – Sé e Boracea –, um Centro de
Atenção Psicossicial (CAPs) e o Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (CRATOD). A cidade conta com apenas um serviço que comporta internação de dependentes químicos, possui 80 vagas e fica em Heliópolis,
zona sul.
A prefeitura garante que no próximo dia 30 será inaugurado um complexo de acolhida para usuários de crack. O espaço fica a cerca de 1 quilômetro
da Cracolândia (final da rua Prates, Bom Retiro). Enquanto isso, os 1.664 dependentes que frequentam a Cracolândia, entre eles, 400 residentes nas
ruas da região, perambulam desconfiados como que sobreviventes. Os usuários buscam espaço entre escombros e lixo para fumar o crack. O cachimbo ainda novo, passa rápido de um para o outro e logo é colocado em uma sacola. A cena foi flagrada pela reportagem do O SÃO PAULO, na esquina das
alamedas Dino Bueno com a Cleveland.
Nas ruínas onde ‘moravam’ os usuários ainda há lixo, resquícios do vício, da falta de condições mínimas de higiene. Ratos e cachorros mortos dividem espaço com o lixo e cachimbos, objetos familiares, de vida e infância perdida:
urso de pelúcia, quadros de Nossa Senhora, uma Bíblia. Aberta no livro do Apocalipse, sinalizava o cenário de desolação, de doença.
A reportagem flagrou ainda usuários de crack utilizando a pedra, ‘à porta da Favela do Moinho’, que sofreu incêndio dia 22 de dezembro. “Agora, esses meninos vêm aqui; não pode, temos muitas crianças, eles precisam de tratamento, de remédio, não podem continuar nas ruas, vão morrer. Algo decente precisa ser feito”, disse dona Maria Josefa, uma liderança da favela.