Condepe denuncia 1800 violações de direitos humanos no Pinheirinho

Texto: Karla Maria
Fotos: Luciney Martins

“O policial falou no domingo: vocês ainda têm sorte porque o comandante liberou vocês para pegarem as coisas, porque a juíza tinha avisado que tudo que havia dentro das casas era lixo”. Este é o depoimento de Maria de Jesus, registrado na folha 132 do relatório parcial do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana sobre violações de direitos humanos.

Casada, mãe de três adolescentes, a ex-moradora do Pinheirinho é uma das 634 pessoas que apresentaram as 1.800 denúncias de violações de direitos  humanos, a maior parte delas (13,6% do total de denúncias e citada por 41% dos entrevistados) se refere a ameaças e humilhações.

São três volumes, mais de 700 páginas de depoimentos recolhidos por 90 voluntários nos quatro albergues de São José dos Campos: CAIC Dom Pedro (193), Ginásio Ubiratan (96), Ginásio Morumbi (253) e Vale do Sol (92) e em audiências públicas. Os dados foram tabulados pelo Núcleo de Trabalhos Comunitários da PUC-SP e acompanhados pela Comissão Justiça e Paz da  Arquidiocese de São Paulo (CJP).

Das 1.800 denúncias, 248 apontam o uso de armamentos por parte de policiais, 225 revelaram pouco tempo para recolher bens, 205 disseram terem suas casas demolidas sem a respectiva retirada de bens, 71 casas foram saqueadas e 67 pessoas foram ameaçadas por pessoas armadas, 80 disseram ter ficado sem emprego ou fonte de renda por conta do episódio, 179 registraram que foram expulsos de suas próprias casas e 166 disseram ter sofrido agressão física.

A violação de direitos humanos também foi registrada nos abrigos. Luciana  sem registro de sobrenome no relatório – folha 121] é casada e tem três filhos.  Registrou situação de constrangimento e humilhação sem nenhuma  privacidade no albergue. Segundo o relator, apenas dois banheiros juntos com vasos sanitários atendiam mais de 300 pessoas, inclusive crianças. “Vimos o sonho que construímos com luta e dignidade virar um pesadelo. O que quero é o direito e a oportunidade de ter meu lar e um lugar digno para minhas filhas.

Não recebi nada do Conselho Tutelar nem outros órgãos competentes. Onde minhas filhas irão estudar? Qual a expectativa que temos no futuro?”. A insegurança de Luciana é a mesma de centenas de famílias quanto à garantia
de rematrícula das crianças e adolescentes na rede escolar de São José dos Campos e a perda do material escolar com a destruição das casas no processo de reintegração de posse.

O relatório registra a existência de 1.069 crianças e adolescentes nos quatro abrigos, em flagrante desrespeito às exigências do Estatuto da Criança e do Adolescente, e 50 idosos, igualmente lesados nos seus direitos previstos no Estatuto do Idoso, entre outras legislações em vigor.

O documento também traça  um perfil do morador do Pinheirinho, que tem renda média entre um e dois salários mínimos. As profissões mais comuns
são de pedreiro, trabalhador doméstico, ajudante de obras auxiliar de serviços gerais.

Denúncias de estupro e violência sexual no bairro do Campo dos Alemães

Denúncias de estupro no campo vizinho ao Pinherinho, o Campo dos Alemães, antes registradas pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), foram também recolhidas pelo Condepe, porém, deixaram de ser transcritas no relatório parcial e serão tratada no relatório final. Segundo o Condepe, para preservar
as investigações e a integridade das vítimas neste estágio de seus trabalhos, que está em fase de conclusão, aguarda apenas o resultado da apuração efetuada pela Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Segundo o  deputado estadual Renato Simões (PT), relator da Comissão de Direitos Humanos do Pinheirinho, a sede da Polícia Civil em São José dos Campos já chegou aos nomes. Segundo Simões, o órgão informou que os PMs envolvidos eram membros da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) e estavam em busca de um traficante.

Consequências do relatório
O Condepe por meio do relatório parcial pede imediato fastamento das ruas dos policiais militares envolvidos nas violações de direitos humanos no  Pinheirinho, exige uma tomada de responsabilidade por parte das autoridades e a abertura de inquérito civil público pelo Ministério Público e faz o pedido, junto à Secretaria de Segurança Pública (SSP). A partir do relatório final a Casa Civil do Estado, comprometeu- se por meio do desembargador Gustavo  Húngaro, também interlocutor entre governo estadual e CJP, a comparar dados do relatório com certificados dos depósitos de bens retirados pela  Prefeitura de São José dos Campos, para possíveis indenizações materiais. (KM)

AS DENÚNCIAS …
248 – Consequências dos uso de armamentos;
225 – Pouco tempo para recolher bens;
205 – Casa demolida sem a respectiva retirada de bens;
179 – Expulsão / Ordem para sair de casa;
166 – Agressão física;
80 – Perda de Emprego / Impedimento de renda;
77 – Difi culdade / Impedimento de livre circulação;
73 – Abrigos em situação de insalubridade;
71 – Casas saqueadas;
67 – Ameaças mediante armamento;
64 – Falta de Orientações e oferta de estrutura para retirar os bens ;
54 – Falta de assistência;
42 – Uso do argumento do “pente fino” para acesso às casas;
33 – Agressão / morticínio de animais;
26 – Ameaças e humilhações;
10 – Separação de fi lhos e outros parentes;
10 – Coação para assinatura de “Auto de Arrolamento de Bens” ;
7 – Impedimento de registro de imagens via celular;
2 – Impedimento de receber visitar de parentes nos abrigos;
1 – Policiais forçados a cumprir ordens;
1 – Impedimento de registro de Boletim de Ocorrência;
1 – Prisão arbitrária.

Fonte: Relatório parcial Condepe/março 2012

Publicado no O SAO PAULO, ediçao 2893

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