No ‘Dia do Índio’, 19, seminário apontou legislação brasileira indígena como atrasada e assimilacionista
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo realizou no Dia dos Povos Indígenas, 19 de abril, seminário sobre o tratamento jurídico penal empregado aos povos indígenas. Participaram defensores públicos, advogados e membros da Pastoral Indigenista da Arquidiocese de São Paulo.
Para Guilherme Madi Rezende, professor de Direito Penal da PUC-SP, um dos assessores do seminário, a legislação brasileira indigenista sempre teve um caráter assimilacionista, com o objetivo de integrar o índio, muitas vezes desrespeitando particularidades da cultura. “Sustentamos que as terminologias: isolados, em vias de integração e integrados [contidas no estatuto indígena], já não mais têm amparo a partir de uma interpretação constitucional. “Eu vejo alguns defensores públicos e advogados, que continuam a fazer menção a essa classificação indígena, como se o índio integrado não fosse mais indígena. Índio é índio, não importa se na cidade ou na aldeia”.
As distinções entre os indígenas são feitas com base em estudo antropológico, e tal classificação tem peso direto na inimputabilidade ou culpa do indígena, caso tenha infringido a lei. Se o estudo antropológico aponta que a ação/infração do indígena tem raízes em sua cultura, esse indígena é inimputável, ele não é apenado.
Para irmã Michael Mary Nolan, assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário, os advogados e defensores públicos precisam conhecer a fundo a cultura do cliente indígena, para que seus direitos possam lhe ser garantidos.
Segundo a advogada, o indígena tem o direito de depor em sua língua materna, e ao regime especial de prisão, o que muitas vezes não é garantido, pela simples falta da identificação do cidadão como indígena. “O índio tem o direito à semiliberdade da unidade da Funai mais perto de sua casa ou sua aldeia”, lembrou irmã Michael.
Em São Paulo, só é possível identificar o indígena no processo penal, na qualificação, quando se lê: pele vermelha. “Precisamos brigar para a identificação indígena, tenho um projeto de lei que prevê que durante o interrogatório o policial pergunte a etnia e qual a língua materna. Se eu tenho um índio que não é identificado como índio, o processo é nulo”, disse irmã Michael. No processo penal brasileiro não existe a obrigatoriedade de identificar índio como índio.
IBGE e os índios
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 817 mil pessoas se autodeclararam indígenas no Brasil. Em números absolutos, o Estado do Amazonas é o que apresenta a maior população indígena declarada, com 168.680 mil habitantes. Mato Grosso aparece na lista com a sexta maior população, ficando atrás de Roraima (49.637), Pernambuco (53.284), Bahia (56.381) e Mato Grosso do Sul (73.295). Os dados são do censo indígena 2010, divulgado dia 18
Fundação Casa abriga nove menores indígenas
Segundo a ouvidora da Fundação Casa de São Paulo, Adriana de Melo Nunes Martorelli, advogada criminalista, a instituição acolhe nove adolescentes indígenas, todos por tráfico de maconha. A ouvidora falou da preocupação da Fundação com os indígenas “Como fazer para que esse indígena durma na cama, que ele saiba usar a descarga da privada, saiba que ele não pode limpar seus resíduos fisiológicos no chão, na toalha, que você vai comer à mesa e não no chão”.
A fala da ouvidora foi criticada por antropólogos presentes, entre eles a também indigenista Vanessa Caldeira. “Uma criança que come sentada no chão, não significa que ela não sabe comer. O processo socioeducativo demanda uma qualificação”. Para Vanessa, é fundamental que o diálogo cultural exista, e que a transformação aconteça de dentro para fora, o que muda a cultura de neocolonizador.