Josimo Moraes, Dorothy Stang, José Claudio e Maria do Espírito Santo…Esses são alguns nomes de vítimas fatais dos conflitos de campo no Brasil. Assassinatos cometidos em 1986, 2005 e 2011, respectivamente, todos na região amazônica e com um mesmo roteiro que caminha para um fim parecido: impunidade.
O ambientalista Raimundo Santos Rodrigues, 54 anos, também foi assassinado, em agosto de 2015, na cidade de Bom Jardim, a 275 quilômetros de São Luís, no Maranhão. Conselheiro do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade desde 2012, na Rebio do Gurupi, local em que morava, foi pego em uma emboscada perto de sua residência.
Ele denunciava a prática de madeireiros ilegais na região do Vale do Pindaré, no Maranhão, e recebia ameaças de morte por defender a preservação da floresta, por resistir e viver na área. “Ele só defendia a floresta, sua biodiversidade, e como conselheiro denunciava os madeireiros, mas o mataram e temos medo que venham atrás da gente também”, diz uma das moradoras da região do Vale do Pindaré, com medo de ser identificada.
A morte de Raimundo consta da lista dos 50 assassinatos praticados em todo o território nacional por conflitos no campo, uma das tantas estatísticas do estudo Amazônia, Um Bioma Mergulhado em Conflitos – Relatório Denúncia, elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e que apresenta o mapa da violência no campo brasileiro.
O número de assassinatos por conflitos no campo em 2015 é 39% maior que no ano anterior, quando foram registrados 36 casos. Destes 50 assassinatos, 47 ocorreram na região da Amazônia Legal, sendo 20 em Rondônia, 19 no Pará, seis no Maranhão, um no Amazonas e um no Mato Grosso. Além dos homicídios na região, a CPT registra 30 tentativas de assassinato, 66 prisões de camponeses, 529 conflitos por terra e 93 ameaças de morte.
“Eles nos ameaçam, nos seguem de carro ou moto e ficam observando de longe. Eu tenho medo, mas não posso me calar, porque estes madeireiros e fazendeiros estão matando nossas florestas e nosso povo mais simples, mais pobre. E é este povo que sabe lidar com a terra, preservá-la”, contou uma religiosa do imenso Maranhão, que por segurança não será identificada.
A corajosa irmã diz que a luta é desigual, injusta, e que os conflitos surgem porque as lideranças camponesas denunciam, além dos desmatamentos, o envolvimento de autoridades políticas e policiais, como vereadores, prefeitos e delegados em atos ilegais. “Aqui é terra sem lei”, conclui.
“Enquanto o foco está voltado para Brasília (DF), as violências vão acontecendo. Os fazendeiros, os latifundiários, o pessoal do agronegócio vão se armando, formando as milícias, contratando jagunços; e os dados demonstram claramente o aumento de conflitos e de assassinatos, bem como o aumento nos entreveros a respeito da água, algo novo, e o número de famílias despejadas”, disse dom Enemésio Lazzaris, presidente da Comissão Pastoral da Terra, durante a Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), realizada em abril de 2016, em Aparecida (SP).
Para o bispo, a produção do relatório é importante porque dá visibilidade à violência que ocorre em uma região mais afastada e escondida dos noticiários. “O relatório quer dar visibilidade a estas questões que parecem ser periféricas em âmbito nacional, mas não são.”
Famílias – A situação é dramática em todo o País. O relatório aponta que em 2015 o número total de ocorrências de conflitos no campo foi de 1.217, contra 1.286 em 2014, e envolveram 102.973 famílias, mais de 816 mil pessoas. O número de famílias despejadas judicialmente em ações de reintegração de posse cresceu 14%, passando de 12.188 em 2014 para 13.903 em 2015.
Em relação às famílias expulsas pelo poder privado (fazendeiros, empresários e seus capangas), o número foi reduzido de 963 para 795. A Região Centro-Oeste, porém, em sentido inverso, apresentou crescimento significativo, passando de nenhum registro em 2014 para 360 em 2015.
Em Mato Grosso, 320 famílias foram expulsas e em Mato Grosso do Sul, 40. Também a Região Norte apresentou crescimento de 18% no número de famílias expulsas (de 179 para 211). O Pará registrou 110 famílias removidas de sua terra; e Roraima, 25, sendo que no ano anterior não houve registro de expulsão.
O Acre apresentou crescimento de 52%, passando de 33 para 50 famílias expulsas.
Bahia e Maranhão também apresentaram, respectivamente, 38 e 40 famílias expulsas, sendo que no ano anterior não houve nenhum registro. “O aumento tanto de despejos quanto de expulsões tem relação direta com o crescimento das ações dos movimentos”, avalia o relatório.
As ocupações de terra no Brasil, apesar de apresentarem um leve recuo de 2% em 2015 (200), ante 205 em 2014, no Centro-Oeste tiveram crescimento de 138%, passando de 21 para 50, com destaque para Goiás, que passou de 3 para 19 (aumento de 533%); Mato Grosso de quatro para 11 (175%); e Mato Grosso do Sul de nove para 16 (78%), segundo o relatório.
Em relação aos conflitos, dominaram aqueles por terra, com 63,4%, e, entre eles, as ocorrências foram 771 ocupações e 200 retomadas, além de 27 novos acampamentos. Os conflitos trabalhistas chegaram a 84, sendo que 80 foram casos de trabalho escravo.
Água – A água foi motivo de 135 conflitos (contra 127 em 2014). Três pessoas receberam ameaças de morte, cinco sofreram tentativa de assassinato, duas foram assassinadas, outras 41 sofreram intimidações, duas foram agredidas, uma foi ferida, outra sofreu danos materiais e três morreram em consequência de conflitos.
Padre Antônio Claret Fernandes, um dos colaboradores do relatório da CPT e membro do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), lembra que no mundo 70% da água potável vai para o agronegócio e apenas 4% para o consumo humano. “Enquanto o agronegócio a esbanja à vontade no desperdício e produção de mercadorias para acumulação de capital, diversas pessoas não têm água para beber e muitos camponeses não dispõem de água para regar suas hortas caseiras”, conta, apontando a origem dos conflitos.
Estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas estão privadas do direito à água potável no planeta, e 1,8 milhão de crianças morrem por ano em consequência de doenças advindas de água suja e saneamento inadequado. Em outubro de 2013, a Organização das Nações Unidas (ONU) já advertia que em 2030 pelo menos 40% da humanidade sofrerá escassez de água.
O relatório também aponta os agrotóxicos como ameaça às populações do campo. Em 2015, foram registrados 23 casos de contaminação, com 4.267 famílias afetadas.
Agressores – Segundo o relatório, os fazendeiros, os empresários e os grileiros, são apontados como as três categorias que mais se destacaram, com 74% das ocorrências de ações violentas contra as populações que vivem nas terras. Outros 6% foram por mineradoras, 4% por madeireiras e 2% por hidrelétricas. 10% dessas ações violentas contra populações tradicionais foram cometidas pelo Estado.
A Comissão Pastoral da Terra é uma instituição criada pela Igreja Católica e tem sua raiz no Evangelho e, como destinatários de suas ações, os trabalhadores da terra e das águas. Sua missão, segundo a própria entidade, é também a de registrar e denunciar os conflitos de terra, água e a violência contra os trabalhadores e seus direitos.
Reportagem publicada na Revista Família Cristã, edição de junho de 2016
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