Dorivaldo Gomes é baiano de Itabuna, da terra do cacau e de Jorge Amado. Ele tem 71 anos de idade, cerca de 500 medalhas e tantos troféus espalhados em sua sala, que a missão de contá-los não foi cumprida…
Nasceu na roça e nela trabalhou até os 19 anos para ajudar a mãe, Doralice, dona de um sorriso discreto e de mãos firmes que denunciam seus 92 anos.
Em julho, Dorivaldo tornou-se um dos 12 mil brasileiros a conduzir a chama olímpica por um trecho de aproximadamente 200 metros, em Guarulhos, cidade onde reside há 52 anos. “Carregar a chama simboliza que eu represento o Brasil, os atletas, a humanidade em geral e isso é muito gratificante, sei que estou levando um incentivo para a prática do esporte e o Esporte é o remédio da vida”, conta Dorivaldo, e talvez por isso ele não faça uso de nenhuma drágea.
O baiano começou a praticar esporte aos 26 anos de idade, tarde para atletas de alto rendimento, mas não para a vida. Começou com a luta livre chegando a treinar com o lendário Ted Boy Marino, um dos precursores da modalidade no País, que fez bastante sucesso durante os anos 1970 e 1980. E não parou por aí. Praticou halterofilismo, judô, karatê, hapikido, capoeira.
A capoeira ainda faz parte de seus dias, tanto que ao término de nossa entrevista deu demonstrações claras da facilidade com que seu corpo realiza os movimentos que desafiam a gravidade, mas não sua idade. Finaliza os movimentos feliz, com sorriso estampado no rosto, mas a entrevista revela que sua paixão mesmo está no atletismo.
Seu início como corredor foi em 1999, aos 52 anos de idade. Conquistou suas medalhas nas mais diversas localidades e paisagens. Já perdeu a unha do pé direito nas corridas sem nem perceber. Entre suas conquistas destaca as 11 maratonas que percorreu.
Maratonas são corridas realizada na distância oficial de 42,195 km, normalmente em ruas e estradas, e Dorivaldo já levou o primeiro lugar na Maratona em São Paulo, em 2010, e em Porto Alegre, em 2015. “Correr é bom demais. Correr te traz equilíbrio, poder de concentração, vida”, conta o atleta amador que desponta nos jogos estaduais paulista, representando sua cidade, Guarulhos, sem, contudo, contar com qualquer tipo de apoio.
“Apoio a gente recebe de parcerias. Todo o custo tiro do bolso mesmo”, explica, recordando algumas das viagens em que desviava a atenção dos seguranças dos hotéis para se infiltrar no quarto de colegas atletas que pagavam as diárias. Mas o que seria essas dificuldades para quem até fome já superou?
Na infância, lá em Tanquinho, município localizado na Região Metropolitana de Feira de Santana, na Bahia, o menino mais velho dos seis filhos de dona Doralice chegou a passar fome sim. “Às vezes até farinha faltava e para chegar na escola era só depois de finalizado o trabalho na roça, com muita caminhada”, conta Dorivaldo, que por isso, foi concluir o Ensino Médio apenas em 2010, já idoso, em Guarulhos.
Disciplinado pela vida ele deixou a Bahia em 1964. O caminho foi de pau-de-arara e ônibus até sua chegada ao estado de São Paulo. “Aquele tempo era de muito trabalho: fui servente de pedreiro, vendi frutas e até taxista”, conta. Tornou-se motorista da Sabesp e naquela função permaneceu até a sua aposentadoria.
Hoje, como atleta amador, divide seu tempo entre os treinos e os cuidados com sua mãe com quem mora. Seus filhos, Cleverson, Cleyton e Cristiano já estão “criados”, como dizem os mais velhos, e compartilham com o pai o amor pelo esporte, em especial pela capoeira.
O dia a dia de Dorivaldo é de disciplina. Acorda por volta das cinco da manhã e vai correr no parque. É assim todos os dias, com exceção daqueles em que precisa viajar para competir. A alimentação é normal regada por cocadas, o doce preferido do atleta, que inclusive recebeu este apelido – Cocada – por tão bem fazer o quitute e distribuir entre os amigos. “As nutricionistas me puxam a orelha, porque não tenho disciplina com a comida”, envergonha-se.
A corrida também o ajudou a abandonar o tabagismo, embora nunca tenha sido um fumante inveterado, apenas em encontros sociais, como ao tomar uma cerveja com amigos e familiares.
Dorivaldo é uma pessoa muito espiritualizada. Acredita em Deus e coloca nele sua vida, suas conquistas, sua gratidão. “Tudo o que nós temos que buscar em primeiro lugar é o Criador, Jesus, e em segundo você e depois os irmãos”, ensina.
Praticante de Reiki, um sistema natural de harmonização e reposição energética que mantém ou recupera a saúde e, acreditam, seja um instrumento de transformação de energias nocivas em benéficas, Dorivaldo prega o bem e defende que cada um seja instrumento transformador no mundo para o bem de todos, irradiando pensamentos bons para aqueles que o cercam.
Ele é assim. Um homem simples e campeão. Os troféus, medalhas, o uniforme que vestiu para conduzir a chama olímpica, tudo está em sua casa para comprovar sua grandeza, suas conquistas, assim como sua história exemplar de superação.
Talvez esteja aí o segredo deste atleta amador de 71 anos de idade. Cuida do corpo, como templo do sagrado e corre por aí buscando concentração e equilíbrio para emitir o bem, conquistando medalhas, amizades e admiradores em cada linha de chegada.
- Íntegra da reportagem publicada na Revista Família Cristã, de agosto de 2016