Governo propõe Reforma Previdenciária que aumenta idade mínima de contribuição e suscita debate sobre o futuro do benefício
Em meio às “delações do fim do mundo” da operação Lava-Jato, como estão sendo chamadas as denúncias de corrupção entre diversos políticos com a empreiteira Odebrecht, dentre elas delações que citam o presidente Michel Temer (PMDB) e alguns de seus ministros, o Poder Executivo busca a aprovação no Congresso Nacional de medidas que contenham os gastos públicos para a recuperação da economia, inclusive a reforma da Previdência Social.
Este é o argumento e o texto que propõe alterações ao benefício começou a tramitar no Congresso Nacional como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287, no início de dezembro do ano passado, e em pouco mais de 24 horas recebeu parecer favorável do relator, o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS).
O texto segue para análise na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ), antes de seguir para votação em plenário. Para o professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Ebape), Kaizô Beltrão, esta é uma reforma necessária e urgente.
“A urgência já acontece há vários anos. Desde 1997 nós estamos recolhendo menos do que pagando como benefícios. Estamos atrasados há 20 anos, e normalmente os países que pensam no futuro fazem essa reforma antes de o buraco abrir, pensam em uma reforma que vai acontecendo gradualmente no longo prazo”, avaliou Beltrão.
O Brasil tem hoje 18,5 milhões de aposentados e estes não serão atingidos pelas possíveis mudanças. Algumas, inclusive, têm tirado o sono dos brasileiros e suscitado questionamentos de diversos setores da sociedade, como sindicatos, associações e parlamentares. A idade mínima de 65 anos tanto para homens como mulheres é uma delas.
“Eu acho que é muito positiva a harmonização dos dois sexos, isso é um movimento no mundo todo. Todos os países estão equalizando a idade de aposentadoria de homens e mulheres e em vários países já estão aumentando a idade de aposentadoria – pensando nessa reforma preventiva – de 65 para 67, 68 anos”, explicou o professor da FGV.
Pela regra atual, homens e mulheres aposentam-se com idades diferentes e, para ter acesso à aposentadoria integral, os trabalhadores precisam somar sua idade com o tempo de contribuição mínimo de 35 anos até completar 95 pontos. As trabalhadoras só precisam de 30 anos de contribuição ou 85 pontos somando esse tempo com a idade.
Na proposta encaminhada, as mudanças mais drásticas valerão para homens que tiverem até 50 anos, tanto na iniciativa privada como no setor público. No caso das mulheres, a linha de corte será de 45 anos. Acima destas faixas etárias haverá um “pedágio” para quem quiser se aposentar, a chamada regra de transição, prevendo um período adicional de trabalho de 50% do tempo que falta para que se tenha direito ao benefício.
“Essa proposta é tão esdrúxula, absurda e tão do mal que eu não posso acreditar que ela seja pra valer. O governo mandou pra cá (Congresso Nacional) para ver a reação da sociedade e pra que eles iniciassem então o processo de negociação com o Congresso, só que ele exagerou na dose até mesmo para negociar”, disse-me em entrevista exclusiva por telefone o senador Paulo Paim (PT-RS).
O senador é presidente da Frente Parlamentar e destaca entre as propostas de mudança da Previdência as que considera mais danosas à sociedade. “Denunciei aqui na tribuna que muita gente vai poder se aposentar não é a partir dos 65 anos, porque 65 anos é a idade mínima. Nós teremos aposentados com 80 anos. Qual é o estado do nosso país em que a média de vida é de 80 anos? Nenhum. Então as pessoas vão contribuir a vida toda e provavelmente não vão se aposentar, porque tempo de contribuição é absurdo. Vai de 30 e 35 para 49 anos, quase que dobraram se pensarem friamente no caso da mulher. Isso não existe”, lamentou o senador.
Trabalhador rural – Entre outras alterações estão, se aprovada a PEC como está, a obrigatoriedade de contribuição do trabalhador rural, com valor a ser definido por lei. Hoje quem trabalha na zona rural não precisar contribuir para a Previdência, deve apenas provar que trabalha realmente como lavrador para se beneficiar de todos os recursos do INSS. E além de não precisar pagar contribuição mensal, o trabalhador rural tem uma redução de cinco anos na idade mínima para se aposentar. Os homens se aposentam quando chegam aos 60 anos e as mulheres com 55 anos de idade. O valor da aposentadoria rural é fixado em um salário mínimo, independente das posses do beneficiário.
Os militares, inclusive policiais e bombeiros, são uma exceção à Reforma da Previdência. Em nível federal, todos os integrantes das Forças Armadas já estão fora da reforma enquadrada na PEC. Ficou definido que a mudança na Previdência dos militares será tratada mais à frente, em outra lei, “respeitando as peculiaridades da carreira”.
A estimativa do Palácio do Planalto é de que a reforma da Previdência seja aprovada na Câmara e no Senado até setembro de 2017. Ao que parece, contudo, serão muitas as barreiras para que a PEC passe. “Eu não acredito que ela seja aprovada nesses moldes. Eu disse que a PEC 55 – o teto dos gastos – (…) o povo não entende e não sabe a maldade que está embutida nesta PEC, agora a Previdência o povo sente na própria carne diretamente. É um quadro que não tem defesa. Vamos ajudar a mobilização dos sindicatos, centrais e associações por todo o País para fazer um grande movimento nacional. Eu diria que está na hora de parar com essa divisão em que o País ficou: pró-impeachment e contra impeachment e salvar vidas de milhões de brasileiros.
“A reforma da Previdência não é uma questão de desejo nem chamaria de uma decisão, mas uma necessidade. Se não fizermos isso, teremos problemas principalmente na sustentabilidade da Previdência”, disse o ministro da Fazenda Henrique Meirelles na apresentação da proposta de reforma, que a considera essencial para o equilíbrio das contas públicas.
A equipe de Temer afirma que nem mesmo a adoção de um teto de gastos públicos resolverá o problema se o País não endurecer as regras para o acesso à aposentadoria. O professor Kaizô Beltrão concorda.
“Como a receita previdenciária não é suficiente par apagar os benefícios, o governo tem que tirar dinheiro das receitas gerais, então se no futuro começar a tirar menos dos recursos gerais eles vão poder utilizar esses recursos de outra forma, e assim otimizar a aplicação desse dinheiro em políticas que sejam importantes. É claro que Previdência é muito importante, mas ela poderia ser autossustentável de alguma forma”, concluiu.
Outros setores da sociedade discordam do argumento de que exista um déficit da Previdência. “Isso é uma mentira. Mostramos o que o governo deveria fazer para arrecadar 500 bilhões a mais, de imediato. É só combater a fraude e a sonegação para o dinheiro ser usado em outros fins. Não há déficit. Eu diria que a média dos últimos 20 anos é um superávit de 50 bilhões de reais, mas mesmo o último ano deu um superávit de R$ 20 bilhões”, avaliou o senador Paulo Paim.
Segundo o auditor fiscal da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Afip), Alfredo Lemos, o déficit é fabricado pelo governo ao omitir e não colocar na conta receitas de outras valiosas contribuições sociais, que financiam o Sistema de Seguridade Social (Previdência, assistência e saúde), tais como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), entre outras.
“Mas fazendo a conta completa e correta, ao invés do aparente déficit da Previdência, há na realidade um superávit da Seguridade Social. (…) E qual o destino desse dinheiro? É acumulado no Tesouro Nacional e acaba servindo para quitar a dívida pública”, concluiu o auditor em seu artigo Como o governo fabrica o falso déficit (ou falso rombo) da Previdência?
Para a auditora fiscal e coordenadora da organização brasileira Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, a Previdência Social tem sido continuamente atacada por setores interessados em tragar parcela cada vez maior do orçamento público e levar para fundos privados as contribuições dos trabalhadores.
“Não é por acaso que, ao longo dos últimos anos, os ataques à Previdência Social têm se multiplicado no mesmo ritmo em que se multiplicam os montantes destinados à dívida pública e crescem os planos privados de previdência”, comentou durante audiência pública no Congresso Nacional.