Estive em Trindade, em Goiás, para receber o terceiro prêmio de jornalismo da minha carreira. Quero me concentrar no mais recente e motivo deste post com sabor mais do que especial: o Dom Helder Câmara de Imprensa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
A reportagem que me levou até o prêmio foi Trilhos da Vida, que escrevi depois de oito dias no interior do Maranhão apurando a realidade de pescadores, quilombolas, professores, crianças, donas de casa, gente que vive às margens da Estrada de Ferro Carajás e há décadas convive com os impactos que a exploração de minério na Serra dos Carajás e o escoamento do mesmo até o porto em São Luís causa.
Impactos como casas rachadas; assoreamento dos rios e por isso falta de peixe; professoras sem voz tentando falar mais alto que o barulho do trem e por isso crianças sem aulas; falta de sinalização e acesso na ferrovia e por isso atropelamentos; indígenas e quilombolas tendo suas terras cortadas por obras e por isso um futuro incerto aos povos originários.
A apuração da reportagem contou com o apoio da Rede Justiça nos Trilhos, uma organização que visa fortalecer as comunidades ao longo do corredor Carajás e denunciar as violações aos direitos humanos e da natureza responsabilizando Vale e Estado, prevenindo novas violações e reafirmando os modos de vida e a autonomia das comunidades nos seus territórios.
Eles como poucos e aqui destaco a figura do padre Dario Bossi, conhecem a realidade, o dia a dia, as dores dos que vivem às margens da ferrovia, e nos acompanharam pela estrada possibilitando transporte, alimentação, ombro, o contato com homens e mulheres que mudaram minha forma de ver a vida, gente como Anacleta, Rose… mulheres que coloquei inclusive em meu livro, o Mulheres Extraordinárias.
A reportagem premiada também está no livro, mas com bastidores e impressões da mulher repórter. Não há a censura editorial bem comum nas redações por diversos motivos 🙂
A Rede Justiça nos Trilhos, pois, é responsável também por construir a esperança na vida daqueles cidadãos, de que é preciso lutar pelos nossos direitos. A comunidade de Piquiá de Baixo, com cerca de 350 famílias, sabe muito bem o que é isso, tanto que depois de décadas vivendo sob o pó da siderurgia em Açailândia, no Maranhão, de problemas sérios respiratórios, alérgicos, conseguiram um terreno para viverem com mais qualidade de vida. Um terreno um pouco mais afastado dos impactos das siderúrgicas que permanecem por lá.
Ir até o Maranhão só foi possível porque a Associação Católica de Comunicação (Signis) acreditou e viu a necessidade de denunciar tal situação tão distante dos olhos da maioria dos brasileiros, das tevês e jornais tradicionais. A reportagem foi publicada na Revista Família Cristã, onde sou repórter contratada, e compartilhada em diversas outras publicações que acreditaram na necessidade de denunciar os descasos do poder público e da empresa Vale.
Eu não fui sozinha pela estrada, ao contrário. Se nas costas estavam a mochila, ao lado, estava Felipe Larozza, o repórter-fotográfico que fez fotos tão impactantes, significativas e lindas que dispensariam minhas palavras, meu texto. Junto a nós estavam Renata Santos e Guto Stancatti, a equipe de tv que nos acompanhou e produziu um documentário para a Rede Século 21, que também foi transmitido por outras dezenas de canais com a chancela da Signis.
Este prêmio é, portanto, nosso, de muita gente que acredita na função do jornalismo de formar e informar as pessoas para o bem de uma sociedade mais justa e democrática, e o dedico aos homens e mulheres que resistem no Maranhão e no Pará aos desmandos de grandes empresas que desrespeitam legislações ambientais e os direitos humanos, em detrimento de um desenvolvimento econômico insustentável.
Dedico também à minha então editora de redação que hoje é membro da diretoria da Signis, Osnilda Lima, e aos colegas de redação: Nathan Xavier e Dagmar Oliveira, Sueli Santos dal Belo quem o revisou, Rebeca Souza Venturini, Mateus Leal que deram a forma e a cor à palavras e fotografias que trouxemos do Maranhão. Mas este prêmio é também do meu marido, Felipe Rabello, aquele cara que segurou as pontas em casa, enquanto eu percorria os quilômetros de estrada. O cara que eu amo e me encoraja a seguir fazendo jornalismo, desses de pé na realidade.
A cerimônia de entrega do prêmio foi no dia 31 de março, no Cineteatro Afipe, no dia de aniversário do Felipe. Noite mais do que especial. Recebi o troféu das mãos do arcebispo primaz do Brasil e vice-presidente da CNBB, dom Murilo Sebastião Ramos Krieger. “Esses trabalhos valorizam a defesa da vida, a dignidade da pessoa humana, o sadio divertimento, a ética, enfim, valores que são não apenas do cristianismo, mas de toda a comunidade humana”, destacou dom Krieger.
Essa premiação nos encoraja a seguir pautando a realidade dos mais pobres e excluídos que vivem nas nossas periferias. É um sinal profético também, um apelo às empresas de comunicação a estarem onde a grande mídia não está e a denunciar o abandono dos mais vulneráveis e seguir apontando sinais de resistência e esperança.
Rede Evangelizar, Rede Nazaré, TV Horizonte e TV Tubá.
Esse Dom Helder Câmara renova minha vontade de ser repórter de all star e bloquinho na mão, da rua, da real. Obrigada a você que de verdade sorri comigo.
Vencedores dos Prêmios de Comunicação da CNBB 2017
Margarida de Prata (Cinema)
Menino 23 – Infâncias Perdidas no Brasil, de Belisário Franca
Marias, de Joana Mariani
Chico, de Irmãos Carvalho
Microfone de Prata (Rádio)
– Jornalístico
Prevenção de suicídio. É preciso falar. É possível salvar vidas, de Paula Groba/ Rádio Senado (DF).
– Religioso
Família Consagrada, de Nathalia Silva Pinto/ Rádio Imaculada Conceição (SP).
– Entretenimento
Ponto de Encontro, de Imaculada del Padre (SP).
Dom Helder Câmara (Imprensa)
– Jornal
Terra Bruta, de A. Borges e L. Nossa/O Estado de S. Paulo (SP).
– Revista
Trilhos da Vida, de Karla Maria/Revista Família Cristã (SP).
Clara de Assis (Televisão)
– Reportagem
O mundo sem cárcere, de Carlos Eduardo G. de Miranda/TV Aparecida (SP)
– Documentário
O Bento – Terra da gente, de João Eugênio, Luiz Fernando Batista e Vinícius Portugal/TV Horizonte / Belo Horizonte (MG).
Dom Luciano Mendes de Almeida (Internet)
– Portal, sites e blogs
Só notícia boa, de Rinaldo de Oliveira e Silva (DF).
http://www.sonoticiaboa.com.br
– Iniciativas em Redes Sociais
SP Invisível, de Vinicius Lima e Andre Soler (SP).
PT-br.facebook.com/spinvisivel
– Aplicativos
Senhor do Bonfim, de Elaine Franco (SP).
Menções Honrosas
– Miguel Pereira, crítico de cinema, docente da PUC-RJ e um dos organizador do Margarida de Prata.
– Silvio Tendler, diretor de seis filmes premiados.
– Dira Paes, atriz e coprodutora de Esse homem vai morrer – Um faroeste caboclo
(Emilio Gallo, 2011).
– Rodrigo Santoro, ator em dois filmes premiados.
– Fernanda Montenegro, atriz em dois filmes premiados.
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