Foto de capa original do meu livro. Tirada por mim, enquanto acompanhava uma mãe que visitava sua filha no cárcere. Lúcia e O Peso do Jumbo.
Como e onde as gestantes encarceradas têm seus bebês? Pensei nisso relendo algumas páginas de meu livro nestes dias de bombardeio de publicidades sobre o Dia das Mães.
Nos cárceres em São Paulo e no Rio Grande do Sul, percebi que o cumprimento de pena das mulheres é mais pesado, porque a elas recai um sentimento de culpa por não poder cumprir todos os papéis que assumem na rua, no dia a dia.
Ser mãe, amamentar, acalentar, ensinar as primeiras palavras. Criar, cuidar, prover…Essa culpa nem sempre acompanha os homens. Poucas vezes registrei.
A culpa é um sentimento que acompanha todas nós mulheres. Livres ou não. Como pena, sem direito de defesa, foi-nos imputada desde crianças por uma sociedade nem sempre gentil com nossa saúde mental, com nossos corpos e sonhos.
Culpa por não ser isso, não ser aquilo, ser algo inesperado, fora da caixinha pré-estabelecida, por não estar à altura, por estar acima etc. etc.
Agora imaginem a culpa na cabeça das mulheres presas? Não falo sobre seus crimes, mas sobre os papéis não vividos, suspensos, aniquilados.
‐——– Segunda-feira é dia de correio, dia em que me dedico pessoalmente a enviar minhas obras até você. Se quiser saber mais sobre a vida das mulheres no cárcere e receber meu terceiro livro com dedicatória e muito carinho, basta me escrever nos comentários ou em minhas redes sociais.
Livro: O Peso do Jumbo, histórias de uma repórter de dentro e fora do cárcere (Paulus Editora) Você também pode comprar no site e nas livrarias espalhadas pelo país, respeitando os cuidados de afastamento, uso de máscara etc.
A batalha contra a covid-19 é grande e precisamos fazer nossa parte.
Os dias de correio têm um ritual que me movimentam de um jeito único… desde o início da pandemia não encontro mais leitores pessoalmente, então faço desse momento de venda e dedicatória do livro, um momento de encontro, especial mesmo.
Busco um café quentinho. Hoje está bem cremoso. Sento no sofá e em seu braço, apoio a pequena pilha de livros. Um a um vou abrindo e relendo frases que escrevi em outros tempos. Tenho frio na barriga. Uma alegria boba encontrada entre um silêncio e outro.
Naquele sofá, onde a luz banha-nos de energia, escrevo cada uma das dedicatórias pensando em seu portador. Portadora na maioria das vezes. Acho o momento tão solene, que antes eu mesma faço minhas unhas, juro e rio de mim mesma.
Encaixo o marca-páginas com saudades da Rê, quem faz tudo o que há de bonito que acompanha as minhas palavras. E pronto, envelope, endereço e rua.
Máscara, alcool em gel e prudência até a agência do Correio, lá no centro de Guarulhos. Cruzo a praça Getúlio Vargas, cumprimento os que por ali vivem e fila.
As filas revelam traços interessantes do brasileiro, como a dificuldade de respeitar o distanciamento. O chão está marcado, mas é ignorado. Ô, povo, carente… antes fosse só de contato humano.
Nos guichês, os sorrisos são conhecidos. Eles sabem que ali estão meus livros e tratam os envelopes com cuidado. Observo. E assim, eles seguem seu percurso até os olhos, a vida de alguém.
Dias de correio são quase sempre assim… 😉 Se quiser meu terceiro livro, O Peso do Jumbo, eu os tenho aqui. Me avise, que terei o prazer em fazer sua dedicatória e enviá-lo ainda hoje.
Eu não sei você, mas por aqui o peito segue apertado, angustiado. Hoje, uma sexta-feira fria em Guarulhos, depois de uma reunião e um copo quentinho de café, estou aqui sentada – que privilégio – ouvindo o relato de Mirtes. Ouvindo e chorando. Admito. Não é mimimi, como dizem uns, é o sentimento de humanidade comum a todos nós, ou a quase todos.
Mirtes Renata Santana de Souza, essa mulher forte, corajosa, ex-empregada doméstica do prefeito de Tamandaré, uma cidade do Pernambuco, fala da morte de seu pequeno Miguel. Ela fala com tanta dor e saudade. Ele era sua vida, seu orgulho, sua motivação diária
O pequeno Miguel Otávio foi muito cedo e de uma maneira que escancara a classificação que a elite deste país faz dos brasileiros. Miguel tinha apenas cinco aninhos de idade. Um sorriso sapeca, de criança verdadeiramente feliz. Morreu à procura da mãe. Foi abandonado – criminosamente – dentro de um elevador pela patroa da mãe, enquanto sua mãe passeava com a cachorra da família branca, rica.
Será que a patroa Sari Gaspar Corte Real, a primeira dama de Tamandaré, deixaria um sobrinho, um filho dentro do elevador sozinho? Será que ela apertaria o botão do elevador levando o menino para um andar mais alto, afim de que Miguel ficasse “passeando” sozinho dentro do prédio? Você deixaria uma criança sozinha no elevador?
Caímos aqui em algumas reflexões necessárias, indignações, diria. Fosse Miguel uma criança branca seria ele tratado desta maneira? Aquilo que há de mais sagrado, a vida de uma criança, foi banalizada, colocada em risco, para que a patroa, dama da elite pernambucana pudesse continuar fazendo as unhas em casa com sua manicure, em meio a uma pandemia de Covid-19, que até o momento em que escrevo este texto matou mais de 34 mil pessoas no Brasil.
Absurdo a manicure e Mirtes terem de ir até o condomínio rico, em meio à pandemia. Outro absurdo, dentre tantos, foi a demora em conseguir localizar o nome da patroa de Mirtes, porque a polícia preferiu não divulgar. E se fosse o contrário? Se Mirtes fosse a empregada preta que tivesse negligenciado a segurança da filha da patroa? Alguém duvida que ela teria sido levada no camburão e estaria presa provisoriamente, aguardando um julgamento como 43% da população prisional brasileira aguarda. Alguém duvida?
A patroa, a primeira dama, foi indiciada por homicídio culposo, pagou 20 mil de fiança e responde em casa, em liberdade. Na mesma casa em que fazia as unhas, enquanto o pequeno Miguel procurava a mãe e caia de 35 metros de altura.
O fato de a primeira-dama, branca, ter contado com privilégios mesmo sendo a criminosa, corresponde ao cenário existente dentro dos presídios que visitei, onde a esmagadora maioria dos presos são pretos. Observe que são maioria nas cadeias, não porque são os que mais cometem crimes, diferentemente do que racistas têm propagado pela blogosfera, e sim, porque todo o sistema judiciário possui mecanismos racistas que privilegiam os criminosos que são brancos e nãos os prendem. Simples assim.
Vejas as abordagens policiais pelas ruas, pelos aeroportos, pelos elevadores… Há seleção de quem deve ser preso, e morto. Das ruas até os juris. Seleção baseada em preconceitos, estigmas entre as autoridades policiais e jurídicas. E a cor da pele é elemento de decisão. Pergunte aos homens e mulheres pretas com quem você convive e se não convive… escute-os, leia-os. Fuja da ignorância, da alienação.
Enfim, este texto é um desabafo, uma maneira de arrancar do peito tanta indignação diante à banalidade do mal. Miguel, Mirtes, Ágatha, Marcos Vinícius, João Pedro, Amarildo, Marielle, George Floyd e tantas e tantas pessoas morreram e morrem diariamente vítimas de racismo, de um sentimento de superioridade branca, e que coloca os cidadãos que têm mais melanina em um lugar de não-cidadania, de não-vida.
No momento em que escrevo estas palavras, o Ministério da Saúde revela, a partir de informações das secretarias estaduais de saúde, que 5.901 pessoas morreram no país vítimas do covid-19. Dados de 30 de abril às 16h50. São 85.380 casos confirmados e quase 50% deles estão localizados na região sudeste do país, que compreende os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.
Só no Estado de São Paulo são 2.375 óbitos e uma ocupação dos leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) chegou a 89%, elevando a pressão sobre o sistema na região a um nível que o governo decidiu enviar os pacientes graves para tratamento no interior do estado. Os números poderiam ser piores não fosse o isolamento social adotado pela população.
Há contudo, uma tendência em afrouxamento deste isolamento, muito incentivada pelo comportamento e falas do presidente da República, que continua contrariando a Ciência e desobedecendo orientações da Organização Mundial da Saúde. Tal constatação é de um estudo ainda em andamento de economistas da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas) e da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Os pesquisadores usaram dados de geolocalização de celulares para comparar as variações no índice de isolamento em municípios brasileiros pró ou anti-Bolsonaro, classificados de acordo com os resultados das eleições de 2018, cota o jornalista Bruno Fávero. Na pesquisa, os economistas descobriram que os níveis de adesão às quarentenas dos dois grupos são parecidos na maior parte do tempo, mas caíram em cidades bolsonaristas depois de duas falas do presidente, em 15 e 24 de março, em que ele criticou enfaticamente medidas de distanciamento.
O então candidato do PSL, Jair Bolsonaro, venceu em 631 das 645 cidades do estado de São Paulo no 2º turno das eleições de 2018. Fernando Haddad (PT) ganhou em apenas 14 municípios.
#EmCasa
É portanto, diante deste cenário possível aumento da tensão no SUS, do aumento de mortes e da necessidade de isolamento social que iniciativas de solidariedade brotam nas periferias e nas redes sociais para ajudar a atravessar física e emocionalmente esta quarentena.
Informar, formar, entreter e inspirar são objetivos de diversas entidades, grupos e associações neste momento, e da Editora Paulus também, que me convidou para um bate-papo sobre o processo de criação de meus livros, que são reportagens de fôlego com caminhos bem peculiares.
Nesta conversa falo da minha quarentena, da perda do meu avô (ainda escreverei sobre a despedida em momento de quarentena). Levanto a bandeira do uso da máscara e peço para que se você pode, fique em casa, lembrando que nem sempre eu posso também já que engrosso a fileira dos desempregados formais. Quando preciso ir à ruas vou com todos os cuidados para evitar a transmissão do covid-19. Faça você o mesmo. Confere aqui meu bate-papo.
Neste vídeo eu falo sobre o atual cenário de ignorância que enfrentamos sobre a covid-19 e sobre a arma que temos para vencê-la. Livros, e a sugestão de leitura dos meus que todo dia 20 tem 20% de desconto no site da Editora Paulus
Na esteira das manifestações sociais e religiosas que ocuparam as ruas do Brasil nos últimos meses, apresento uma breve entrevista que fiz, em 2011, com Fernando Altemeyer Júnior, doutor em ciências sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. A avaliação de Altemeyer é pertinente para o momento em que vive o país.
Ká entre Nós: Poderíamos afirmar que as manifetações juvenis hoje, são mais de cunho pessoal, do que coletivo? por quê? Fernando Altemeyer: É um padrão que não resiste à crítica dizer que os jovens de hoje são menos articulados e utopicos que os de ontem. O que há é uma imensa mutação de quadros simbólicos e de aprojeção cultural. Os jovens não são mais nem menos “coletivos” que os de maio de 1968 ou os “caras-pintadas” da década de 1990. São coletivamente diferentes.
Há manifestações juvenis eclodindo em todos os níveis: pessoais, afetivos, coletivos, articuladas, individualizadas, virtuais, libertadoras e miméticas ou ainda até alienadas e fundamentalistas. A capacidade polivalente dos jovens em dizer suas palavras, seus medos e suas esperanças se exprime de formas variadas (mauitas alegres e outras patéticas e plenas de sofrimento). A grande questão é se há interprétes para compreender esta “música” que por eles é produzida e difundida pelos quatro cantos do planeta. E sabendo ouvir, saber também dialogar. Ser ou não ser: eis a questão!
Ká entre Nós: Por quê o jovem, na grande maioria, não se filia mais a partidos políticos? Fernando Altemeyer: Me arrisco a comentar sua afirmação assumindo que a participação juvenil em instituições formais tem diminuido. Penso que seja verdadeira esta desfiliação ou não-filiação, pois isto indicaria que os jovens preferem participar ativamente da sociedade civil, mais que da organização partidária, pois ela está viciada pelo poder e por mecanismos de manutenção de privilégios.
Muitos partidos não tem ajudado a forjar a democracia de forma clara e transparente. O que vemos é gente boa metida em máquinas velhas com resultados pífios. Alguns conseguem algo, mas outros são engolidos e manipulados. E ainda há as velhas raposas que querem manter a injustiça e a segregação de classe e raça em nosso país. É a velha e recorrente oligarquia que muda de partido mas não muda de prática corrupta e oportunista. Serve-se do Estado e dos bens públicos e não se fez servidor e funcionário do povo.
Talvez seja isso aquilo que afaste. Esta falta de ética e de visão utópica. Os jovens percebem que não há exemplos claros de valores. Fala-se muito e faz-se pouco ou nada. Jovem quer testemunho, beleza e festa. Haverá esta matéria prima onde? Nos partidos, com certeza, há grave carência. Penso que muitos jovens tem buscado alternativas para construir relações novas em favor de um outro mundo possível. É esta sede que devemos alimentar e fomentar.
Longe das minhas habituais pautas, os últimos dias foram para mim um conclave, e explico. Morando em um país de minoria católica, acompanhei os passos dos 115 cardeais pelos sites e tvs de diferentes países. Esta foi, sem dúvida, uma experiência importante, um exercício de observação do comportamento da mídia e do impacto que este homem, agora líder de 1,2 bilhão de pessoas já provoca na sociedade.
O primeiro impacto, simplicidade e despojamento. Francisco, o papa, chega pedindo a benção do povo, se curva a ele, em um gesto de serviço e amor. Seu nome revela o cuidado necessário e urgente com os pobres. Um segundo impacto, as notícias que emergem sobre a ligação do então arcebispo de Buenos Aires, o cardeal Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, com a última ditadura militar na Argentina (1976-1983).
Para refutar o segundo impacto, o ativista argentino de direitos humanos Adolfo Pérez Esquivel, ganhador do prêmio Nobel da Paz em 1980, em entrevista a BBC Mundo afirmou: “Questionam Bergoglio porque dizem que ele não fez o necessário para tirar dois sacerdotes da prisão, sendo ele o superior da congregação de jesuítas. Mas eu sei pessoalmente que muitos bispos pediam à junta militar a liberação dos presos e sacerdotes e não eram atendidos”.
O caro leitor deste Ká entre Nós, que muito me honra com a sua presença virtual pode também apontar “a Karla Maria, claro, vai defender o papa porque ela é jornalista católica”… Tenho ouvido isso nesses dias e me sinto na obrigação de esclarecer que sim sou católica apostólica romana, isso faz parte da minha cultura, da minha opção de vida.
Obviamente que os valores que aprendi na Igreja Católica se aplicam diariamente no meu jornalismo, porque valores, ora, são valores, e posso falar sobre eles: amor e respeito ao próximo de toda cor, origem, raça, gênero, credo, compromisso de serviço à sociedade, solidariedade, busca por justiça e dignidade.
Somado a esses valores estão o faro e a alma da jornalista que sempre procura a verdade dos fatos e dos dados à serviço do bem comum, e de acordo com meu compromisso profissional jamais me refutarei a escrever a verdade apurada, ainda que atinja meus “amores, credos ou ideais pessoais”. O que não posso e não farei é entrar na onda dos achismos infundados, do jornalismo preguiçoso e republicar informações sem dados ou provas concretas.
Ser católica não limita ou restringe meu compromisso com a pluralidade e a verdade dos fatos, só reitera meu dever de trabalhar pelo bem comum, sempre, pela verdade, sempre.
Missionário alimenta crianças na "creche improvisada", em Walf Jeremie, Porto Príncipe, capital do Haiti
Há quatro meses em Walf Jeremie, membros da Missão Belém trabalham na construção de uma creche
De volta ao Brasil, depois de 25 dias no Haiti, padre Giampietro Carraro, fundador da Missão Belém, concedeu entrevista exclusiva a O SÃO PAULO. Encontramos o missionário às 11h do dia 19, no salão da Paróquia São João Batista do Brás, no centro. Ele falava para 34 missionários, na sua maioria jovens, gente simples no vestir e no sorrir. Padre Giampietro falava dos desafios encontrados em Walf Jeremie, Cite Soleil – um bolsão de pobreza com 800 mil pessoas no país caribenho, que teve seus problemas de infraestrutura intensificados depois do terremoto de 12 de janeiro de 2010.
Karla Maria – Como estão e qual o trabalho dos missionários neste momento no Haiti? Padre Giampietro Carraro – Durante minha visita [de 1º a 25 de janeiro] encontrei os missionários tentando ajudar o povo, logo que chegaram se depararam com o cólera e ajudaram em um ambulatório. Estão em uma área de 30 mil barracos e não existe uma igreja, estamos tentando montar comunidades e a escola vai junto. Estamos lutando para isso. Estão morando no meio do povo, em uma tenda emprestada.
KM – O senhor acredita que será possível construir a creche ainda neste ano? Os recursos são suficientes? Padre Giampietro – Ganhamos um terreno que dá para fazer 20 salas de 40 metros quadrados. O povo mostrou que tinha um terreno e fomos à prefeitura, assinamos o papel e pronto. Temos uma engenheira voluntária e dois empreiteiros italianos, estamos colocando as bases, estamos construindo em cima de um mangue. Prevemos que até junho ou julho ela já possa funcionar, mas há muita dificuldade, não tem água, não tem luz, então é necessário criar uma estrutura que se possa resolver esse problema. Não temos dinheiro, mas estou certo de que Deus vai providenciar.
KM – Com quais recursos o senhor conta para a construção dessa creche? [Segundo padre Giampietro a obra terá um custo de 500 mil reais]. Padre Giampietro – Além do dinheiro da Cáritas Arquidiocesana [Campanha SOS Haiti] contamos com o dinheiro vindo da Itália. Ainda estamos muito longe de cobrir as despesas, temos dinheiro para fazer as bases e o piso, depois Deus deve mandar o dinheiro para as paredes e para o teto. KM – Enquanto a creche está em construção, qual tem sido o trabalho dos missionários? Padre Giampietro – Na tenda emprestada em que estão morando, iniciamos nosso primeiro embrião já foram montadas e cada uma tem o custo de 2 mil e 200 dólares] de estrutura metálica com um tipo de madeirite reforçado, serão salas de 30 metros quadrados. Em 15 dias já estarão funcionando. Programamos que naqueles espaços as crianças recebam o banho e a alimentação junto com a mãe, que irá à aula de alfabetização, costura e catequese.
KM – Como a população tem reagido frente ao contexto político no Haiti? Padre Giampietro – Olha, para falar a verdade, a nossa população não se preocupa muito com isso, porque a primeira preocupação é sobreviver. Todos estão desanimados, não veem muita perspectiva. O Haiti é uma caixinha de surpresa, é uma loucura; não se sabe o que pode acontecer amanhã, o Baby Doc voltou um mês atrás, está voltando o Aristides (ex salesiano), em seu mandato o vudu foi proclamado a religião do Estado, voltaram os sacrifícios humanos, houve muito roubo, corrupção.
Na tarde do dia 20 de fevreiro, Vanessa Matias dos Santos e Emanuel
Messias Guedes, jovens da Missão Belém, foram enviados para reforçar o trabalho no Haiti. A data da viagem ainda não foi defi nida. Até o momento a
Campanha SOS Haiti, da Cáritas Arquidiocesana, arrecadou cerca
de 40 mil reais.
foto Karla Maria | Na primavera o frio é outro, jovem no centro de SP
Os termômetros em São Paulo registram as temperaturas mais baixas do ano até o momento. São 8°, 9° que tiram os agasalhos do armário e espalham o vírus da gripe entre os paulistanos. Quem passa pelo centro da cidade, não pode deixar de notar, aqueles que dormem nas calçadas, e sentem a frieza da cidade de um modo diferente. Segundo pequisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), cresceu em 57% o número de moradores em situação de rua, de 2000 à 2009. São 13.666 cidadãos que sentem o frio na alma. Segundo a secretária e vice-prefeita Alda Marco Antonio, a prefeitura dispõe de 8.000 vagas em albergues e outros centros de acolhida (moradias provisórias, hotéis sociais, etc.). A matemática simples, nos revela, portanto, que a maior cidade da América Latina não tem políticas públicas suficientes, que assegurem dignidade às pessoas que moram pelas ruas da cidade.
Há quem se contente com a lei da cidade limpa, e há quem não se cale. Júlio Lancellotti, padre na cidade fala da política higienista dada aos moradores em situação de rua em SP, em entrevista concedida a André Cintra, do portal o Vermelho e denuncia que em São Paulo existe “uma cultura de que matar morador de rua é um favor, uma forma de resolver o problema, porque eles somem, desaparecem”. Segundo o padre, “se o povo da rua desaparecer, ninguém vai sentir falta. No dia em que for feita uma política pública que os elimine, ninguém vai lamentar ou querer saber como eles sumiram”.
Padre Júlio Lancelotti, Vicariato do Povo de Rua
A entrevista de Lancellotti integra a série “Povos da Rua — A ‘Faxina Social’ de Serra e Kassab”, que o Vermelho publica a partir desta quinta-feira (20). A iniciativa se propõe a denunciar práticas higienistas iniciadas em São Paulo em 2005, com a posse do prefeito José Serra (PSDB). Confira.
Vermelho: Desde 2005, a Prefeitura tenta implantar, e não consegue, o projeto Nova Luz, sob o pretexto de revitalizar o Centro de São Paulo. Essa iniciativa, ainda que mal-sucedida e incompleta, não acelerou a higienização, ao pôr a especulação imobiliária acima dos direitos humanos? Júlio Lancellotti: Mas eles nunca ouviram falar em direitos humanos. Eles não sabem o que é isso nem para os trabalhadores da construção civil. Nós estamos aqui estarrecidos com o operário que caiu do elevador e morreu e morreu aos 18 anos (o técnico em manutenção Ray Souza Oliveira faleceu em 6 de maio, na obra onde trabalhava, em Setãozinho, depois de ser prensado por um elevador).
Os dois engenheiros da construtora que fazia a obra (a Stéfani Nogueira) manipularam, mexeram no local do crime e depois deram R$ 10 mil para a polícia, que os prendeu por corrupção ativa. Acho que é porque era pouco — só R$ 10 mil eles não queriam. Mas, enfim, a construção civil não sabe o que são direitos humanos. Olhe para seus operários, olhe o trabalho escravo.
Vermelho: Só neste ano, houve dois moradores de rua mortos a paulada, enquanto dormiam, na Praça Presidente Kennedy, e outros seis que foram assassinados, em circunstâncias idênticas, sob um viaduto do Jaçanã. Esses crimes não ocorreram no Centro — e nem sempre era a polícia que estava envolvida. Dá para dizer que se criou uma cultura de banalização dos sem-teto, que torna até mais frequentes esses extermínios? JL: Eu acho que tem a banalização, mas esse grupo do Jaçanã, por exemplo, chama a atenção pela quantidade de tiros — a segurança de atirar e contar com a impunidade. O próprio comerciante que aparece na entrevista do SPTV disse: “Ah, mas eles fumavam crack, cheiravam não sei o quê, ficavam pressionando quem passava aqui”. Quer dizer, ele justificou.
Ontem eu recebi um Twitter que me perguntava quantas pessoas eles tinham assaltado — se por acaso eu já sabia disso. Hoje está-se criando uma cultura de que matar morador de rua é um favor, uma forma de resolver o problema, porque eles somem, desaparecem.
Eu pus aqui no Twitter, outro dia, uma frase da (professora universitária) Ermínia Maricato: “Os pobres têm um defeito: não desaparecem no fim do dia”. Se eles desaparecessem no fim do dia, todo mundo ia ficar feliz. Se o povo da rua desaparecer, ninguém vão sentir falta. No dia em que for feita uma política pública que os elimine, ninguém vai lamentar ou querer saber como eles sumiram.
Estamos tendo uma deturpação ética, ligamos a cidadania a um determinado comportamento. A pessoa que está na rua perde o status humano, deixa de ser uma pessoa com direitos e deveres. Como ela está profundamente lesionada, você não reconhece mais nela a dignidade humana. Se passar o trator em cima, tudo bem, porque ele perdeu o status humano.
Vermelho: Dá para comparar a uma carrocinha capturando um vira-lata qualquer pelas ruas? JL: Não, esse pessoal se condói mais com o cachorro. Se bater num cachorro na Praça da Sé, vai ter mais auê do que se bater num morador de rua. Bate num cachorro para você ver. A gente devia fazer um dia uma cena para ver o que acontece. Se pegar um morador de rua e bater nele em frente ao Shopping Higienópolis, você vai ter apoio. Depois, se você pegasse um cachorrinho e começasse a bater nele, ia ter mais reação.
Vermelho: A comoção seria mesmo maior? JL: Hoje, em São Paulo, há maior comoção com os maus-tratos a um cachorro do que com os maus-tratos a uma pessoa de rua.
Vermelho: São Paulo está ficando mais conservadora? JL: Se você ligar o conservadorismo à desumanização, sim. A grande questão é que São Paulo está se tornando uma cidade desumanizada. Há sinais de esperança, há muita gente que resiste, mas há uma cultura de desumanização. Se uma pessoa idosa é maltratada numa parte do Metrô, a maior parte do pessoal fica calada. Ninguém reage. Eu não digo nem o morador de rua, porque o morador de rua não entra no Metrô.
Nós fomos andar pelo Centro da cidade para ver em que lugar a pessoa de rua entrava. Eles iam à frente, e eu ia à distância, com o fotógrafo, porque se me vissem podiam me reconhecer. No Shopping Light, por exemplo, foi um auê. No fim, quando vi que a situação ficou meio perdida, eu fui realmente procurá-los — e aí nem eu podia ficar dentro do shopping. Aí fomos tomar café, e eu disse que tinha o direito, que eram meus convidados. Tivemos de tomar o café com não sei quantos seguranças em volta de nós.
Vermelho: Você é otimista? JL: Eu procuro ser esperançoso.
Vermelho: Qual é a diferença? JL: O otimismo às vezes é visto como um pouco de alienação. A esperança é fincada no chão. Autores de origem marxista, como (o filósofo alemão) Ernst Bloch, vão falar na esperança — e de uma esperança que tem razões, busca, utopia, horizonte. Não podemos perder a noção de que nós fazemos uma ação histórica. Não é uma ação voluntarista, individualista.
É uma ação histórica, de classe, de um povo, de um grupo. Não vou sair lá no meio gritando sozinho e achar que, só porque eu quero, vai mudar. Eu quero fazer parte da história que vem de Bartolomé de las Casas, do Dom Oscar Romero, daqueles que resistiram e resistem à opressão. Muitos deles estão esquecidos, como o Frei Caneca, o Antônio Conselheiro. São histórias de resistência.
Vermelho: Há espaço para essa perspectiva crescer numa cidade como a São Paulo de hoje, sob o consórcio PSDB-DEM? JL: Eu fico feliz quando vejo os jovens militantes, jovens socialistas, jovens que fazem a formação. Eles são poucos, mas são diferentes daqueles 500 que foram ontem andar de cueca e de calcinha no Metrô. Acham que fizeram a revolução, que agora o mundo é outro. A imprensa é que adora esse tipo de coisa de comportamento. É uma forma de mostrar rebeldia ou irreverência a uma sociedade apodrecida. Fico muito feliz mesmo quando vejo grupos de jovens. Essa chama não se extinguiu.
Década de 70, Londres, jovens trabalhadores e suas histórias do cotidiano regadas a muito Gin. Este é o pano de fundo de Êxtase, uma versão de Mauro Baptista Vedia, do texto britânico de Mike Leigh. A peça gira em torno de Jane (Érika Puga), operária melancólica que trabalha em um lava-rápida, e convida a rir do ridículo, do melancólico, do amor e da falta dele.
Destaque para a atuação de Amanda Lyra, que faz das situações do cotidiano mais seimples, pontos altos de reflexão e riso. A trilha sonora é embalada por Elvis Presley, iluminação seca marcando os atos. O elenco reúne Érika Puga, Mário Bortolotto, Eldo Mendes, Amanda Lyra, Eduardo Estrela e Fernanda Catani.
A montagem está em cartaz até 10 de junho no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), de terça à quinta-feira às 19h30, com ingressos de R$ 15. Estudantes pagam meia.
Nestes dias de frio, o centro de São Paulo, é um convite quente, cheio de possibilidades para alimentar o espírito e para a alma. O CCBB é uma destas possibilidades, fica na Rua Alvarez Penteado, 112 (3113-3651) próximo ao metro Anhagabaú.
Se aparecer por lá, sugiro o cappuccino do Café do CCBB.