O Brasil preto e indígena tomou posse

Sônia Guajajara e Anielle Franco tomaram posse como ministras de Estado. Uma mulher indígena, a outra uma mulher negra. Tomaram posse em um dos espaços públicos palco de golpismo e desordem no último domingo, dia 8.

Foto @ricardostuckert

A posse de ambas foi invadida de cor e cuidado, afeto e sorriso, denúncia e comprometimento de reparação histórica. Os povos indígenas e o povo preto no centro do poder. Quanto simbolismo.

E Política é isso. Ocupação dos espaços. Defesa de ideias e sonhos. Criação coletiva de caminhos para o bem-comum, o bem-viver…

E essas mulheres representam os corpos daqueles e daquelas que ao longo dos séculos, neste país, foram e ainda são objeto e alvo do racismo, da desumanização, da força e da ausência do Estado.

Que dia bonito para ser uma brasileira, para caminhar com Sônia e Anielle em busca de um país verdadeiramente justo e digno para todas e todos os que vivem nesse país.

Em memória de Marielle Franco, de todos os meninos e meninas pretas e indígenas mortos por este país, sigamos construindo com afeto e fé, com sorriso e luta, na tolerância possível, na firmeza com os que não suportam a conviência democrática e respeitosa.

Contra todas as formas de exclusão e pela paz, sigamos juntas!

Brasil, de mentira em mentira

Como viver dia a dia com esse estado de coisas?  com gente nossa, “de bem”, dessas que dividem a fila da comunhão, que ligam pra saber da sua avó com todo carinho banalizando crimes, ignorando apuração e acreditando em conto de piroca que chega no celular e votando em quem planta e vive de mentiras e crimes? Mundo surreal demais pra quem vive de observar a vida, de vivê-la no real fora das redes.

Livro em exposição no Museu JK em Brasília (DF) |📸 de Karla Maria

Desde sua campanha, lá em 2017, Bolsonaro cria situações pra confundir e angariar confiança daqueles que acham que o Brasil nao deve ser de todos. Confessemos… desses que não suportam dividir elevador com gente preta sabe…

Bolsonaro incentiva a violência e o crime com palavras e gestos. Quem discorda?  Ele imitou uma pessoa sem ar, homenageia a ditadores sempre que pode, construiu sua carreira na corrupção porque rachadinha é isso crimes, e cuida da família dele… o crime dele é familiar e de décadas. Sua falta de condições de governar impactou ainda mais a desigualdade social, a miséria, o desmatamento. Impactou a imunização do país para diversas doenças desencorajando o crédito no SUS, nas vacinas…

Sua política econômica impactou, tirou dinheiro da Farmácia Popular, de políticas de combate ao Câncer, à Aids, de proteção aos indígenas e a lista é grande…

Está dado: Bolsonaro tem usado a rodo dinheiro da máquina pública para comprar votos ao distribuir beneficios ate o final do ano, e a conta já está escancarada: uma bomba fiscal… quem vai pagar? Os mesmos que hoje recebem benefícios,  mas já com dívidas feitas com empréstimos consignados a juros criminosos tbm.

Crime de banqueiro pode. Rs

Está dado. Reeleger Bolsonaro é dizer que não se importa com a pobreza estrutural, com as mortes na covid.  É dizer que atua em defesa da vida, quando pouco se importa com a vida daqueles que não têm sua aparência, seu cep, suas crenças.

Está aí. Apoiar Bolsonaro ou lavar as mãos sobre o que passamos diz muito sobre o ser humano que você está escolhendo ser. Sobre o Brasil que vc quer viver: violento, hostil, miserável, racista, ignorante com gente manipulada.

Não vote em Bolsonaro. Se tiver dúvidas sinceras, estou aqui pra te ajudar a saná-las. De coração.

Bolsonaro corta R$ 407 milhões no combate ao HIV

Uma das reportagens mais impactantes que escrevi e que me deram a clareza do papel do Estado foi em 2009. Eu trabalhava na Revista Missões e apurava sobre o trabalho dos missionários da Consolata no acolhimento de crianças portadoras do HIV.

SÉRIE | Motivos para não votar em Bolsonaro

Ali vi a importância do SUS e a maravilha que era ter um serviço tão importante para possibilitar a qualidade de vida daquelas crianças pobres que tinham que combater a doença, a morte, e não tinham outra possibilidade sem receber as medicações do SUS. Os famosos coquetéis.

Hoje, outubro de 2022, sabemos que o governo Bolsonaro, este que quer se reeleger retirou recursos do orçamento para combater o vírus HIV e possibilitar mais qualidade de vida às crianças e/ou negativar os bebês que nascem com o vírus.

Tirou e enviou para aquelas emendas secretas, de gente parlamentares que o apoiam e qua fazem campanha para ele.

Saúde é o nosso bem mais precioso. Vivemos um pavor na pandemia. Perdemos mais de 680 mil pessoas só de COVID. E de HIV? Segundo dados do Boletim Epidemiológico Especial HIV/Aids de 2021, do próprio governo federal, em 2020, 10.417 pessoas morreram da doença e o número total de vítimas chegou a 291.695.

Não vote em Bolsonaro. Defenda o Brasil e a saúde pública. Defenda a nossa democracia!

#eleicoes2022 #defesadademocracia #ForaBolsonaro #HIV

Fontes:

Minha reportagem escrita em 2019: https://www.revistamissoes.org.br/2009/12/vitoria-contra-o-preconceito/

O racismo ainda persegue e mata a população negra

Em 2019 os negros representaram 77% dos assassinados no Brasil

Fonte: Atlas da Violência 2021

O Ministério Público do Trabalho (MPT) está pedindo a cassação de Sérgio Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares, por perseguição político-ideológica, discriminação e tratamento desrespeitoso. As conclusões do MPT chegam após um ano de investigação e de ouvir 16 depoimentos de ex-funcionários, servidores públicos concursados, comissionados e empregados terceirizados.

Fundada em 22 de agosto de 1988, a fundação foi criada para promover e preservar os valores culturais, históricos, sociais e econômicos da população negra, que tem sido sistemática e historicamente punida pela sociedade brasileira.

A Coalizão Negra por Direitos denunciou Camargo à Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) por violações de direitos humanos e dos interesses da população negra, por não “garantir o exercício de direitos da população negra no Brasil e a proteção da memória e patrimônio cultural que estão sob tutela da Fundação Palmares”.

Os ataques à população negra do Brasil superam seu patrimônio histórico e é importante destacar que as tentativas partem de onde menos se esperava. Em dezembro de 2020 Camargo divulgou lista com 29 nomes de pessoas que foram excluídas da lista de Personalidades Negras da Fundação Palmares, entre elas André Rebouças, Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo.

Confira reportagem na íntegra no site da Agência Signis de Notícias

Está caro viver

Sim está caro demais viver né. Inflação nos alimentos, na gasolina, aluguel alto, desespero alto. Fiz uma reportagem sobre o impacto dessa economia , desses nossos dias, mas especialmente do impacto na vida dos mais, mais pobres.

A sociedade civil organizada tenta minimizar tanta desgraça e sensibiliza juízes a evitar despejos – nestes tempo de pandemia -, mas o presidente Bolsonaro é um desafio a ser superado. Dá uma olhada nesta reportagem que escrevi para a Agência Signis de Notícias.

Confira um trecho dela aqui:

Pandemia, desemprego, diminuição de renda e falta de políticas públicas de moradia levaram o Brasil a um cenário de desespero para mais de 14 mil famílias em todo o país. “Tenho duas meninas, uma de 12 e uma de seis anos. Estou grávida de sete meses e estou com pneumonia em repouso, solteira e desempregada. Preciso muito de doação de leite, biscoito e cesta básica. Se alguém puder me doar alimentos por favor me chama”, escreveu Maria José Miranda em sua rede social em agosto deste ano.

Ex-moradora no bairro Eldorado em Contagem (MG), ela e suas crianças foram despejadas por falta de pagamento de aluguel. Assim como Maria, outros 14,8 milhões de desempregados enfrentam dificuldades para manterem as contas, a vida. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o aumento da inadimplência coincide com este recorde de desemprego no Brasil, o aprofundamento da pandemia e o corte no auxílio oferecido pelo governo federal, que agravou a dificuldade financeira da população.

Para tentar evitar que famílias sejam postas nas ruas, movimentos e organizações sociais criaram a Campanha Despejo Zero com o objetivo de sensibilizar os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo sobre o tema que Elizeu Afonso Monteiro, 66 anos, conhece bem. Há três anos ele oferece alimentação para pessoas em vulnerabilidade social e nos últimos meses acolheu em sua própria casa famílias que foram despejadas.

“Foi um casal jovem que estava em situação difícil. Ficaram dois meses aqui em casa. Não me pagavam nada, ao contrário. Eles tinham uma criança de dois anos, mas não conseguiram arrumar emprego e foram embora daqui também”, contou Monteiro, que semanalmente distribui 700 marmitas pela Vila das Belezas, Capão Redondo, Socorro e Santo Amaro.

Já sabe, a reportagem na íntegra está no site da Agência Signis de Notícias.

Passado o frio continua o caos…

Naqueles dias frios, bem frios, me juntei ao Luciney Martins e à Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de São Paulo para colher testemunhos, conversar e conviver com a população que está em situação de rua. O resultado está na reportagem publicada pela Agência Signis de notícias. As fotos abaixo são do amigo Luciney Martins.

As canelas finas de Teresa tremiam. Nem a bermuda jeans e as meias grossas que recebera de doação na noite passada conseguiam lhe aquecer de modo efetivo. Aliás, quando nos encontramos em frente à estonteante Sala São Paulo, na região central da capital paulista, ela estava arrancando as meias que grudavam em seus pés castigados por bolhas. Era 30 de julho, a madrugada mais fria desde 2004, com termômetros registrando 3°C.

Teresa, que prefere ser chamada de Paulinha e só, não revela a idade, mas já passou dos 60. Seus cabelos curtos e grisalhos e o corpo franzinho e levemente curvado denunciam o peso do tempo. Ela vive em constante caminhada nas ruas de São Paulo atrás de comida, água, cobertor, gorrinho, qualquer coisa que possa protegê-la do inferno que vive.

Ela é mais uma sobrevivente nas ruas de São Paulo e neste inverno de 2021 tem encontrado na caridade de anônimos algum amparo para manter seu corpo aquecido, vivo. Naquela madrugada ela recebeu um gorrinho e cobertor de agentes da Pastoral do Povo da Rua, da Arquidiocese de São Paulo. Mas eu vi que não foi só isso…

Confira a reportagem na íntegra, no site da Agência Signis de Notícias.

Bolsonaro, um aliado da covid-19

Está no ar, mais um podcast do Ká entre Nós!

Neste episódio, Karla Maria fala da ameaça que os brasileiros têm à frente, a de enfrentar o vírus da Covid-19 que já matou mais de 500 mil pessoas, e a de conviver sob um governo que mais parece aliado do vírus do que de seu povo. Fala das novas decisões do STF, de pesquisas eleitorais e de um jeito diferente de celebrar São João e a cultura nordestina. Karla também fala de solidariedade através dos agentes da Pastoral da Saúde e de uma iniciativa em Guarulhos que arrecada absorventes para mulheres em situação de rua. Se liga neste episódio e bora olhar para a semana de uma modo mais crítico e sem fakenews.

Podcast no ar também no Spotify

Chegamos ao quinto episódio do podcast Ká entre Nós, e com uma notícia boa! Estamos também no Spotify. Siga-nos por lá… Neste episódio, faço uma análise da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 e sobre o combate à doença no país.

Fã de futebol que sou, falo também sobre a realização da Copa América no Brasil e da bola fora do Exército brasileiro em aliviar a barra do ex-ministro Eduardo Pazuello, mas há notícias bacanas também como a vacinação de grávidas e puérperas no Estado de SP, as oportunidades para artistas no setor cultural, além de dicas de leitura.

Ouça o podcast e diga o que achou. Vamos juntos espalhar notícia verdadeira e checada. O Brasil e nós merecemos. Até mais!

Todo dia é dia de índio

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Entrevista de Karla Maria
Fotos de Thiago Gomes/AG. Pará

Mais de três mil indígenas que participam do 14º Acampamento Terra Livre tomaram as ruas da Esplanada dos Ministérios, em Brasília ontem, dia 24 de abril. Depois de realizar uma grande marcha fúnebre, foram reprimidos por policiais que usavam gás lacrimogênio e spray de pimenta contra os manifestantes e dentre eles mulheres, crianças e idosos.

O mês de abril, guarda um dia em especial no calendário brasileiro para “falar” sobre o índio. Nessa data, urge em meio à sociedade brasileira um novo olhar sobre os povos tradicionais que tiveram parte de suas terras e tradições dizimadas pela invasão do homem branco.

Mas para outros, como Conselho Indigenista Missionário (Cimi), todos os dias são dias de índio, de lutar pelos direitos desses brasileiros e na entrevista a seguir, o presidente da entidade, dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), faz uma avaliação crítica da situação dos povos tradicionais e denuncia o desmonte de direitos já garantidos na Constituição Federal.

Trechos dessa entrevista foram publicados na edição de abril de 2017 da Revista Família Cristã.

1- Como o senhor avalia a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215 – em tramitação na Câmara dos Deputados – que proíbe a ampliação de terras indígenas já demarcadas e transfere ao Congresso a decisão sobre novas demarcações

A PEC está na mesma perspectiva do desmonte dos direitos conquistados na Constituição de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã” que deu um passo importante na superação de uma legislação arcaica em relação aos povos originários. Está no bojo das tentativas de retroceder em direitos fundamentais, que para os povos indígenas passam pelo direito aos seus territórios que são base para a preservação de suas culturas, espiritualidades, tradições entre outras dimensões da vida.

Somada a esta iniciativa de mudança na Constituição estão outras ações, fundamentalmente engendradas pela chamada bancada ruralista, esta que vem se manifestando contrária aos direitos dos povos, principalmente os territoriais.

Segundo vários juristas a transferência da responsabilidade pelas demarcações é inconstitucional, pois toca em cláusulas pétreas. Além do que todo o processo para a demarcação estaria submetido aos trâmites do Congresso Nacional, que já se demonstra moroso, ainda mais num contexto em que muitos parlamentares são contra as demarcações.

Infelizmente, apesar da Constituição Federal ter dado o prazo de cinco anos para que as terras indígenas fossem demarcadas, após quase 30 anos muitas terras seguem sem mesmo terem seus estudos realizados.

2- O fato de termos no Congresso Nacional uma forte representatividade das entidades do agronegócio, de termos a bancada ruralista, pode causar impactos negativos para a demarcação de terras caso a PEC 215 seja aprovada?

A bancada ruralista é a principal promotora da PEC 215, sendo que a Comissão Especial que aprovou o texto da PEC em 2015 foi composta majoritariamente por parlamentares da Frente Parlamentar Agropecuária. Sem dúvida se criaria muitos impasses e dificilmente os povos indígenas seriam respeitados, pois vivemos em um país preconceituoso em relação aos modos de vida e a especificidade dos povos.  Muitos querem que os povos entrem na mesma dinâmica do consumo e que suas terras possam ser exploradas. O que a PEC 215 objetiva é a disponibilização das terras indígenas para o mercado de terras, ou seja, que empreendimentos do agronegócio ou outros estejam livres para explorar as riquezas presentes nestas terras, em muitos casos preservadas pelos indígenas.

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3- O então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, publicou recentemente no Diário Oficial uma portaria que cria um grupo de trabalho no ministério com o poder de reavaliar os processos de demarcação em andamento. Como o senhor e o Cimi avaliam isso? Essa atitude não fragiliza o trabalho da Fundação Nacional do Índio (Funai)?

A Portaria ao criar um GT no âmbito do Ministério da Justiça na prática burocratiza ainda mais os processos para a demarcação das terras indígenas, que hoje são regulamentados pelo Decreto 1.775 de 1996. Este Decreto já estabelece todo o “rito” para a demarcação de uma terra. O GT criado responde a demandas dos ruralistas. Por isso, a nossa preocupação é de que ele seja usado como instrumento para construção de falsos argumentos e que estes sejam usados pelo Ministro da Justiça para desaprovar os laudos antropológicos de identificação e delimitação de terras indígenas.

Sobre a Funai, esta vem sendo desestruturada tendo cortes profundos em seu orçamento, praticamente inviabilizando suas ações.

4- Como o Cimi avalia a nomeação e atuação do novo presidente da Funai, Antonio Fernandes Toninho Costa?

Pessoalmente não temos nada contra o Sr. Antônio, contudo a indicação dele pelo PSC é o exemplo de um governo que ‘loteia’ cargos para cumprir acordos no pacto feito para o impeachment da Presidente Dilma.

5- A indicação de Ubiratan de Souza Maia para a coordenação-geral de Licenciamento Ambiental da Funai tem gerado desconforto entre os funcionários da autarquia. Ele é acusado pelo Ministério Público de arrendar terras indígenas ilegalmente. Na denúncia, o MPF pede o ressarcimento de R$ 240 mil à comunidade Terra de Chapecó. Como o Cimi enxerga essa indicação?

 Eu particularmente não conheço o Sr. Ubiratan, contudo não seria bom para qualquer autarquia pública ter em seu quadro um servidor que responde a acusações judiciais justamente por desrespeitar a Constituição Federal e os direitos que deve defender. Creio também que é um direito dos funcionários de carreira do órgão se manifestar sobre qualquer nomeação.

6- Os conflitos de terra ainda fazem vítimas pelo País e os indígenas estão entre eles. Como sair desse cenário? Quais as saídas que o Cimi aponta?

Todos os anos o Cimi publica o Relatório Violência contra os Povos Indígenas, onde estão relacionados muitos dos casos de violências e violações contra os povos. Destacamos as violações contra o patrimônio, contra pessoa indígena e os casos de omissão quanto aos direitos à saúde, educação e terra.

Muitas das violências e violações estão vinculadas à negação ao direito territorial destes povos, seja pela não demarcação ou pela invasão de territórios demarcados. Parte da solução para estes casos passa, então, pela efetiva demarcação das terras indígenas e pela proteção destes territórios pelo Estado brasileiro. Também é fato que a impunidade frente aos crimes cometidos contra estes povos reforça as violências, pois os agressores sentem que não sendo punidos podem seguir violando a lei.

Em março de 2016 o Brasil recebeu a visita da Relatora Especial da ONU para os Povos Indígenas, Victoria Tauli-Corpus. Ela esteve em visitas aos indígenas Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul, povos que vem sendo há anos vitimados por ataques de paramilitares e pela negação de seu direito à terra.

Em seu Relatório, apresentado em setembro do mesmo ano, Victória fez duras críticas ao governo brasileiro e ao descaso deste para com os povos indígenas.

7- Quais as maiores demandas que o Cimi apresenta ao estado brasileiro no que diz respeito às políticas públicas que garantam os direitos das populações indígenas?

Como apontado antes, entre estas demandas está a efetiva demarcação e proteção das terras. Os povos demandam ainda a efetivação de uma Educação Escolar Indígena diferenciada, com respeito às suas culturas e formas de organização; também o atendimento à saúde, embora a criação da Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena, segue com grandes deficiências.

O Brasil é signatário da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho que, entre outras dimensões, reafirma a autodeterminação dos povos. Neste aspecto, os povos vêm cobrando que o direito à consulta previa, livre e informada seja respeitado quando da realização de qualquer ação que os afetem.

8- Percebe-se uma onda de criminalização dos movimentos sociais por parte de alguns partidos políticos. O senhor acredita que isso esteja acontecendo agora com entidades que defendem os direitos indígenas, como o próprio Cimi, o Instituto Socioambiental (ISA) e a Associação Brasileira de Antropologia (ABA)? Como o senhor avalia esse cenário e qual a resposta do Cimi sobre o pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal na CPI da Funai?

Os primeiros criminalizados são os próprios povos e lideranças indígenas, pois seus direitos elementares são negados. Em segundo lugar vemos uma onda de criminalização de todos os que se opõe ao projeto hegemônico do capital, que tem em sua base a exploração dos bens da natureza.

Há 30 anos o Cimi enfrentou uma primeira CPI, com acusações infundadas que tentavam desmoralizar e criminalizar o Cimi. Em 2015 a Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul também instalou uma CPI para supostamente investigar as ações do Cimi; outra CPI, para investigar a Funai e o Incra, instaladas na Câmara dos Deputados também buscam investigar o Cimi e as organizações citadas, além do Centro de Trabalho Indigenista (CTI). Tanto em 1987 quanto agora, a presidência da CNBB assumiu a defesa do Cimi e de seus missionários e missionárias.

Estranhamente as CPIs de 1897 e a do MS não encontraram nada que de fato possa incriminar o Cimi e a CPI da Câmara que investiga órgãos públicos, quer investigar-nos mesmo sabendo que não acessamos qualquer recurso público.

De fato estas CPIs visam criminalizar os povos indígenas e seus aliados.

9- O Projeto Cruviana, um sistema de geração de energia eólica e solar para abastecer comunidades tradicionais da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, feito em parceria entre o Conselho Indigenista de Roraima, o Instituto Socioambiental (ISA) e a Universidade Federal do Maranhão (UFMA), pode ser visto como um exemplo de sucesso de terra indígena demarcada que preserva o ambiente e gera energia? Por que esse projeto não é tão conhecido?

Este projeto é uma demonstração concreta de que o Brasil tem uma potencialidade para gerar de forma alternativa energia, sem obrigatoriamente determinar a construção de grandes hidrelétricas, como são os planos dos diferentes governos.

A mídia corporativa e empresarial, por interesse econômico das corporações que financiam suas programações, prioriza a veiculação de informações que se contraponham às demarcações das terras indígenas e esconde as iniciativas positivas dos povos.

10- Estudos revelam que o desmatamento é significativamente menor dentro de reservas indígenas bem estabelecidas (uns 40% no Brasil, por exemplo) do que em áreas não demarcadas, o que revela que a presença indígena protege as florestas e traz uma série de outros benefícios com impactos econômicos positivos diretos ou indiretos: estabiliza o clima regional, garante o suprimento de água para a agricultura e o consumo humano (já que matas atuam como imensos filtros naturais) e abriga polinizadores, sem os quais muitas lavouras não vingam. Do ponto de vista humano, como os indígenas podem nos servir de exemplo no dia a dia, por exemplo no que diz respeito ao viver em família e ao bem viver e preservar toda a criação?

Os povos indígenas sempre buscam manter uma vida harmoniosa com a natureza, respeitando seus ciclos e utilizando de forma que esta possa continuar se mantendo e mantendo a vida de suas comunidades.

Esta maneira de viver dos povos foi lembrada pelo Papa Francisco em sua Encíclica Laudato Sí e também no encontro realizado com representantes dos Povos Indígenas, onde o Papa afirmou que os povos é quem devem ter a palavra final sobre suas terras. Sabemos que, como lembrou Francisco, há projetos que ameaçam esta harmonia, pois em vista de um desenvolvimento que não os inclui, impactam a natureza e, consequentemente, os povos. Assim vemos as grandes hidrelétricas, estradas e outros empreendimentos.

O Bem Viver que significa a vivência harmônica com a natureza e entre os seres humanos, como preconizam os povos andinos é uma grande lição que nós precisamos aprender, pois ao invés de cuidar da criação estamos destruindo.

11- Sobre a evangelização, como se dá a missão junto aos indígenas tendo em vista a identidade cultural de cada povo?

O Cimi tem como ponto de partida o diálogo, o respeito pela diferença e, como nos afirma o Documento de Aparecida, pelas “sementes do Verbo” presentes nos povos indígenas. Como popularmente se diz: “Deus estava presente no meio dos povos indígenas antes dos Europeus chegarem aqui”. Assim, a Evangelização não pode ser uma imposição, mas fruto da vivência e do Evangelho Gritado pela Vida, como nos ensinou Carlos de Foucauld; nunca uma demonização das tradições, costumes e espiritualidades dos povos. Respeitamos a identidade de cada povo e alteridade de cada povo que também passa por suas expressões religiosas. Entre povos que já possuem experiências antigas de catequese e cristianismo, o Cimi busca responder de forma respeitosa, de maneira encarnada.

12- Há projetos dos regionais da CNBB que enviam missionários do sul para a Amazônia? Faltam missionários juntos aos indígenas? Qual o trabalho que ainda precisa ser desenvolvido?

Mais que trabalhos pré estabelecidos, necessitamos de presença de missionários e missionárias que desejem assumir um processo de encarnação junto aos povos indígenas. Pessoas que sejam capazes de construir com as comunidades. Homens e mulheres que nos ajudem a construir pontes, que tenham a coragem de descalçar as sandálias e sejam pessoas apaixonadas pelo Reino de Deus.

Missionário que seja capaz de construir com as comunidades indígenas, processos que fortaleçam a autonomia no diálogo intercultural, ecumênico e inter-religioso.