estuprada ao dar a luz

O que os homens pensam sobre o estupro de ontem? Me refiro ao estupro de uma mulher na mesa de parto, durante uma césarea.

Acompanhem o cenário. Ela está sedada e o monstro coloca seu pênis na boca da parturiente. Enquanto o pai da criança acompanha o bebê, o monstro busca prazer naquela mulher vulnerável. Se movimenta “escondido”.

10 minutos de tortura. 10 minutos. Um pênis na boca de uma mulher inconsciente. 10 minutos. Ele goza. Passa uma gaze, e pronto.

É tanta barbaridade que fica ressoando aqui dentro. Gatilhos, memórias, e muito silêncio nessas redes, para além de nós mulheres.

Se não fosse aquelas enfermeiras… ele continuaria praticando crimes, como está provado, cometeu antes. E quantos continuam por aí praticando outros crimes?

E a equipe médica nunca desconfiou de parturientes sairem sedadas do parto? Nunca desconfiaram da movimentação desse homem, desse monstro que passou por 10 hospitais do Rio de Janeiro. 10!

E a golden hour, a amamentação no primeiro momento, a companhia permanente à mãe dentro do centro cirúrgico? Foram muitas as violências praticadas contra a mulher e o recém-nascido. Incontáveis.

Homens, parte da sua espécie está nos matando física e emocionalmente. Dia a dia. Em todo canto.

Bolsonaro, um aliado da covid-19

Está no ar, mais um podcast do Ká entre Nós!

Neste episódio, Karla Maria fala da ameaça que os brasileiros têm à frente, a de enfrentar o vírus da Covid-19 que já matou mais de 500 mil pessoas, e a de conviver sob um governo que mais parece aliado do vírus do que de seu povo. Fala das novas decisões do STF, de pesquisas eleitorais e de um jeito diferente de celebrar São João e a cultura nordestina. Karla também fala de solidariedade através dos agentes da Pastoral da Saúde e de uma iniciativa em Guarulhos que arrecada absorventes para mulheres em situação de rua. Se liga neste episódio e bora olhar para a semana de uma modo mais crítico e sem fakenews.

Podcast no ar também no Spotify

Chegamos ao quinto episódio do podcast Ká entre Nós, e com uma notícia boa! Estamos também no Spotify. Siga-nos por lá… Neste episódio, faço uma análise da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19 e sobre o combate à doença no país.

Fã de futebol que sou, falo também sobre a realização da Copa América no Brasil e da bola fora do Exército brasileiro em aliviar a barra do ex-ministro Eduardo Pazuello, mas há notícias bacanas também como a vacinação de grávidas e puérperas no Estado de SP, as oportunidades para artistas no setor cultural, além de dicas de leitura.

Ouça o podcast e diga o que achou. Vamos juntos espalhar notícia verdadeira e checada. O Brasil e nós merecemos. Até mais!

Qual a sua narrativa de combate a covid-19?

No momento em que escrevo estas palavras, o Ministério da Saúde revela, a partir de informações das secretarias estaduais de saúde, que 5.901 pessoas morreram no país vítimas do covid-19. Dados de 30 de abril às 16h50. São 85.380 casos confirmados e quase 50% deles estão localizados na região sudeste do país, que compreende os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.

Só no Estado de São Paulo são 2.375 óbitos e uma ocupação dos leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) chegou a 89%, elevando a pressão sobre o sistema na região a um nível que o governo decidiu enviar os pacientes graves para tratamento no interior do estado. Os números poderiam ser piores não fosse o isolamento social adotado pela população.

Há contudo, uma tendência em afrouxamento deste isolamento, muito incentivada pelo comportamento e falas do presidente da República, que continua contrariando a Ciência e desobedecendo orientações da Organização Mundial da Saúde. Tal constatação é de um estudo ainda em andamento de economistas da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas) e da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Os pesquisadores usaram dados de geolocalização de celulares para comparar as variações no índice de isolamento em municípios brasileiros pró ou anti-Bolsonaro, classificados de acordo com os resultados das eleições de 2018, cota o jornalista Bruno Fávero. Na pesquisa, os economistas descobriram que os níveis de adesão às quarentenas dos dois grupos são parecidos na maior parte do tempo, mas caíram em cidades bolsonaristas depois de duas falas do presidente, em 15 e 24 de março, em que ele criticou enfaticamente medidas de distanciamento.

O então candidato do PSL, Jair Bolsonaro, venceu em 631 das 645 cidades do estado de São Paulo no 2º turno das eleições de 2018. Fernando Haddad (PT) ganhou em apenas 14 municípios.

#EmCasa
É portanto, diante deste cenário possível aumento da tensão no SUS, do aumento de mortes e da necessidade de isolamento social que iniciativas de solidariedade brotam nas periferias e nas redes sociais para ajudar a atravessar física e emocionalmente esta quarentena.

Informar, formar, entreter e inspirar são objetivos de diversas entidades, grupos e associações neste momento, e da Editora Paulus também, que me convidou para um bate-papo sobre o processo de criação de meus livros, que são reportagens de fôlego com caminhos bem peculiares.

Nesta conversa falo da minha quarentena, da perda do meu avô (ainda escreverei sobre a despedida em momento de quarentena). Levanto a bandeira do uso da máscara e peço para que se você pode, fique em casa, lembrando que nem sempre eu posso também já que engrosso a fileira dos desempregados formais. Quando preciso ir à ruas vou com todos os cuidados para evitar a transmissão do covid-19. Faça você o mesmo. Confere aqui meu bate-papo.

Esclarecimento quanto à ordem de prisão de frei Gilvander

Nos últimos dias de março de 2013, diversas manifestações surgiram nas redes sociais em defesa do frei Gilvander Luís Moreira, padre carmelita, assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e militante dos direitos humanos, que estaria respondendo a uma nova ordem judicial de prisão por ter veiculado o vídeo “O feijão de Unaí está envenenado? Fala de Edivânia, de Escola Municipal de Arinos, MG”.

Estive em contato com frei Gilvander para esclarecer a situação e ele enviou-me o texto abaixo, o qual publico na íntegra.

“Nos últimos dois dias, dias 01e 02 de abril de 2013, inúmeras pessoas me telefonaram ou enviaram mensagens preocupadas e solidárias querendo saber se havia nova ordem judicial de prisão contra minha pessoa. Não há. A ordem existente é de 29/10/2012, que não foi cumprida. Deixou o juizado Especial Cível da Comarca de Unaí, MG, o juiz Raphael Ferreira Moreira, o que concedeu liminar a favor da Torrefação e moagem Café Unaí Ltda (Empresa cerealista dona da marca Feijão Unaí), empresa denunciada em vídeo que postei no youtube.

O juiz Raphael também, em 29/10/2012, ordenou que dentro de 5 dias o Google e o youtube comprovassem a exclusão do youtube do Vídeo “O feijão de Unaí está envenenado? Fala de Edivânia, de Escola Municipal de Arinos, MG.” E ordenou que eu, frei Gilvander L. Moreira, não reinserisse o vídeo no youtube. Caso o vídeo não fosse retirado do youtube dentro de 5 dias, o juiz Rapfael ordenou prisão em flagrante por desobediência aos diretores do Google e youtube e à minha pessoa.

foto: rappadeangu.blogspot.com
foto: rappadeangu.blogspot.com

No final de dezembro de 2012, o juiz Raphael deixou a Comarca de Unaí. Com a saída do juiz do processo, agora o processo que a Empresa do Feijão Unaí e do Café Unaí moveu contra mim está nas mãos do juiz Dr. Fabrício Simão da Cunha Araújo, o responsável pelo Juizado Especial Cível de Unaí. Houve uma decisão em meados de março, mas ainda não publicada.

O Vídeo “O feijão de Unaí está envenenado? Fala de Edivânia, de Escola Municipal de Arinos, MG” foi excluído do youtube, mas várias pessoas já reinseriram o vídeo em seus canais no youtube. Entre elas Anonimous Brasil, deputado padre João (PT/MG), Bruno Cardoso (Direitos Humanos), Thecrachergamer, bergspot, TheanonimousMG etc. Quem está reinserindo o vídeo está lutando pelo direito de livre expressão e pelo direito a saúde pública e está reforçando a luta tão árdua, mas justa e necessária, contra os agrotóxicos e por alimentação saudável.

O meu site www.gilvander.org.br , pela terceira vez, foi raqueado e totalmente destruído da internet há uma semana. Um companheiro de luta está trabalhando na reconstrução do site www.gilvander.org.br . Em breve, esperamos recolocá-lo na internet novamente. Ainda bem que os textos que publico semanalmente no meu site também foram publicados em www.ecodebate.com.br , www.adital.com.br , www.brasildefato.com.br , www.unegro.org.br , www.cebsuai.org , www.racismoambiental.net.br , www.ihu.unisinos.br , www.sitraemg.org.br , www.cebi.org.br , www.blodoeulerconrado.blogspot.com.br e em outros sites e blogs que agora não me recordo.

Enfim, agradeço, de coração, a todos os que de alguma forma estão comprometidos com as lutas em defesa da dignidade humana, contra o uso dos agrotóxicos, pela produção de alimentos saudáveis e etc. Que a luta cresça e se torne de todos/as!
Abraço na luta. Frei Gilvander Moreira”

Aparecido grita e quem ouve?

Entrevistando Sr. Aparecido, nas escadarias da Sé, dia 7

Durante a cobertura do Grito dos Excluídos, dia 7 de setembro,  em São Paulo, escrevi uma matéria grande para O SÃO PAULO. Divido aqui, no Ká entre Nós, o grito de um dos cerca de 17 mil moradores em situação de rua da capital.

Naquela manhã, de sol forte, aprendi que o mais importante para o exercício do jornalismo é ouvir, ouvir e ouvir.

Sentado, nas escadarias da catedral, em cima de tudo o que possui de material na vida, senhor Aparecido da Sé, com serenidade avaliou a atuação do atual prefeito. “O Kassab tirou o trabalho dos camêlos, tirou nossos colchões, nossa comida, tira a pouca dignidade que nós temos”.

Senhor Aparecido tem 67 anos, problemas de circulação e diabetes,  mas afirma, que a sociedade e o poder público têm problemas maiores: a cegueira e a surdez.

“Sou sim discriminado, uma vez, precisei tomar o ônibus, porque minhas pernas doem com minhas varizes, e o motorista do ônibus me chamou de lixo, ele me disse ‘eu não levo lixo não, desce’. Agora como posso tomar banho em um banheiro pequeno e sujo com outras 150 pessoas”, disse referindo-se ao banheiro público que fica embaixo do Viaduto Pedroso.

Aparecido foi estudante salesiano na juventude, hove vive nas ruas, dorme na calçada do Instituto Pasteur, na avenida Paulista. Questionado porque não usa os albergues, foi categórico: “há piolhos”. Essa iformação talvez falte ao candidato à prefeitura de São Paulo, José Serra (PSDB), que em colóquio com o clero paulista, dia 20, afirmou sobrarem vagas nos albergues. Eis o motivo, candidato. talvez homens e mulheres não queiram ser tratados como animais que convivem entre as pulgas?!

Mas, o homem que recebeu o nome em homenagem à Nossa Senhora Aparecida, diz também ser discriminado em igrejas. “Não posso entrar para rezar, na Catedral só quando tem multidão. Vou à missa das 9h ou às 11h na Igreja São Luiz, lá na Paulista e assisto dos fundos”.

Aparecido “grita”, mas o governo municipal paulista parecer padecer de outros males: surdez e omissão.

‘Queria o bebê, a Vitória estava aqui, viva’

Texto: Karla Maria
Fotos: Luciney Martins

A jornalista gaúcha Joana Schmitz Croxato, descobriu aos 27 anos, em 2009, que estava grávida. A alegria, conta, foi imensa. O casamento com Marcelo Almeida Croxato, 30 anos, já chegava aos cinco anos e o sonho de aumentar a família era grande. “Ficamos muito felizes, porque já sonhávamos, esperávamos nossa filha e foi uma alegria saber que já tinha uma criança a caminho”, contou Joana ao O SÃO PAULO, em seu apartamento em Santo Amaro.

A notícia da gravidez…
A alegria do casal, a ansiedade a espera do bebê aumentou ao descobrirem o sexo, era menina, a pequena Vitória. Mais uma família crescia nesse imenso mundo, mais uma história comum, não fosse o diagnóstico inicial aos cinco meses de gestação, de acrania, uma anomalia fetal caracterizada pela ausência parcial ou total dos ossos do crânio. “Era uma situação tão difícil, em que você espera um bebê que a medicina diz que vai morrer. Então, a gente pensou: não importa, vamos esperar nossa filha em Cristo”. E assim, o nome da pequena se completou: Vitória de Cristo Schmitz Croxato. “Foi uma forma de esperança, a gente tinha fé, tínhamos esperança que algo diferente poderia acontecer, de que a medicina podia não prever tudo o que aconteceria”, disse a mãe, olhando para sua filha, nos braços do pai.

A notícia do diagnóstico veio junto com a do desemprego de Marcelo, gestor comercial, que negociou com a empresa e diante dos laudos médicos, conseguiu se manter no convênio médico. “Quando ele foi demitido, eles [empresa/convênio] já sabiam que eu estava com uma gestação mais delicada. Mandamos uma carta com os laudos da gestação e aprovaram em nos manter”, disse Joana.

Marcelo e Joana não tinham muita informação, até o diagnóstico, sobre o que era acrania, e depois, sobre anencefalia, e ainda que esta exista em diferentes graus, mas aos poucos foram se informando. “Recebemos bastante informação durante o diagnóstico, eles nos explicaram como seria a gestação e não davam muita informação sobre como o bebê poderia agir, o que poderia sentir”.

Para Marcelo, os nomes técnicos acrania, anencefalia por si só já geram preconceitos e a falta de informação leva a erros, segundo ele, como a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Relação com os médicos…
“A minha obstetra foi muita isenta e a primeira médica que fez o diagnóstico, nos deixou muito à vontade, mas depois…”. O depois a que Joana se refere diz respeito aos especialistas em medicina fetal consultados. “Eles foram muito diretos e enfáticos em falar que o melhor era interromper a gravidez”, lembrou a mãe que preferiu não identificar os especialistas.

Marcelo lembrou que o médico disse que sua filha era incompatível com a vida e que o melhor seria antecipar o parto. “E não adianta vir com nome bonitinho, antecipação de parto aos 6 meses é aborto, porque você não dá a mínima possibilidade de a criança nascer, independentemente de quanto ela vai viver”.

Durante a gestação, Joana pesquisou e descobriu dois casos de bebês que nasceram com anencefalia e viveram mais de um ano, e mesmo os médicos desconheciam tais casos.

A decisão, o sim à vida de Vitória…
Joana disse que não teve decisão a ser tomada, a não ser a condição natural da mãe, de amar e cuidar do bebê. “Quando recebemos o diagnóstico não teve decisão, a gente queria o bebê. A Vitória estava aqui, viva, [disse colocando as mãos sobre o útero]. Eu estava bem, e a via se mexendo nos exames… A médica dizia que provavelmente o bebê ia morrer, mas eu dizia o bebê está vivo, então, a gente tem que dar a oportunidade a ela de viver”, disse a mãe. E a oportunidade foi dada.

Segundo médicos especialistas, em casos extremos, a mãe pode correr risco de morte, e precisa de acompanhamento. Joana teve um pré-natal normal, viveu uma gestação tranquila, sem dores ou sustos, disse ter buscado forças em sua fé e em Vitória para superar as dificuldades. “Comecei a perceber que ao viver a gestação e me envolver com a minha filha, eu já estava me tornando mãe, porque a mãe também vai sendo gerada com aquela criança, e pensei: talvez eu não possa cuidar da minha filha por muito tempo quando ela nascer, mas eu posso cuidar dela na gravidez”, revelou a jovem mãe.

O casal lembrou que algumas pessoas da família ficaram sem reação no início de todo o processo, mas que a atitude de esclarecer as dúvidas ajudou a todos a se unirem. “Todo mundo começou a apoiar e isso me dava muita força, as pessoas chamavam a Vitória pelo nome, davam presentinhos”.

Joana lembra com carinho do Chá de Bebê, feito aos 8 meses de gestação, por duas amigas. “Eu não sabia se fazia sentido me preparar para uma gravidez assim… mas eu dizia, tem um bebê aqui”. Marcelo recorda que tudo foi comprado com muito carinho e dedicação, que alguns os chamavam de loucos. “Ainda desempregado, compramos tudo, o último item foi uma escova de cabelo e para uma pessoa que ia nascer sem a parte do couro cabeludo”, lembra, acariciando a mexa castanho claro do cabelo de Vitória.

A chegada de Vitória…
O parto foi cesariana. Dia 13 de janeiro de 2010. “Fiquei muito angustiada no momento do parto, tinha medo que ela falecesse muito rápido e aí quando ouvi aquele chorinho me deu uma alegria, uma paz, foi uma coisa realmente de Deus, como se a minha missão tivesse sido cumprida”, contou emocionada, agora com Vitória nos braços, e em suas mãos, os dedinhos perfeitos e gorduchos de Vitória.

A pequena “guerreira”, como chama a mãe, nasceu com 38 centímetros e 1 quilo e 785 gramas, tamanho de um bebê prematuro. Ficou cinco meses internada na Unidade de Terapia Intensiva e diária e intensamente, recebia o cuidado dos pais, já que, segundo os médicos, a qualquer momento poderia falecer. “Ter a oportunidade de cuidar dela, naquele momento foi maravilhoso”, revelou Joana.

Com duas semanas de vida, pegou uma infecção grave, tinha dificuldades respiratórias. “Por 16 dias os médicos nem a examinavam, pareciam até esperar a morte, até que um dia uma médica examinou com mais atenção, pediu hemograma, e viu-se que ela estava com infecção e anemia, deram antibiótico, transfusão de sangue e ela ficou super bem”. Aos 2 meses, Vitória começou a mamar no seio da mãe, e aos 4 fez uma ressonância magnética que tentou descrever sua condição como anencefalia incompleta — presença de tronco cerebral, cerebelo e diencéfalo, porém ausência de parênquima cerebral (córtex) —, o que caracterizaria a anencefalia.

O julgamento do STF…
O Supremo Tribunal Federal aprovou em 12 de abril deste ano, a antecipação de parto de feto anencéfalo e sobre essa decisão, Joana escreveu em seu blog (amadavitoriadecristo.blogspot.com.br). “Minha tristeza com relação à decisão do STF foi a de perceber que a criança portadora de anencefalia foi totalmente desumanizada nesta decisão, e sua vida inferiorizada e desprezada devido à sua fragilidade e brevidade… É extremamente ofensivo e desrespeitoso referir-se como um caixão ambulante a uma mulher que decide amar e respeitar a vida do seu filho… tudo isso é uma experiência intensa de vida e jamais deveria ser tratado com tanto desprezo e ignorância jurídica e científica”.

Vitória ensina a mãe…
Joana passou seu primeiro Dia das Mães na UTI e no próximo domingo espera estar com Vitória saudável nos braços. “Sinto-me uma pessoa mais sensível, mais humana e mais forte, porque quando me sentia fraca e via minha filha mesmo com um problema tão sério e expectativa de vida tão baixa, e ela lutando, mostrando um desejo de viver”. Marcelo também registrou. “O que mais me encanta nela é quanto dedica e ama genuinamente nossa filha, por entender o valor da vida”.

A entrevista terminou, o gravador foi desligado, as fotos cessaram. Restou o exemplo da pequena “guerreira” e da luta da família pela Vitória, pelas pequenas coisas, por um dia de sol.

Publicado no O SÃO PAULO, edição 2900.

Por que os jornalistas estão adoecendo mais

Por Elaine Tavares*

O psicólogo, professor e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Heloani, conseguiu levantar um perfil devastador sobre como vivem os jornalistas e por que adoecem.

O trabalho ouviu dezenas de profissionais de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir do método de pesquisa quantitativo e qualitativo, envolvendo profissionais de rádio, TV, impresso e assessorias de imprensa. E, apesar da amostragem envolver apenas dois estados brasileiros, o relato imediatamente foi assumido pelos delegados ao Congresso de Santa Catarina – que aconteceu de 23 a 25 de julho – evidenciando assim que esta é uma situação que se expressa em todo o país.

Segundo Heloani a mídia é um setor que transforma o imaginário popular, cria mitos e consolida inverdades. Uma delas diz respeito à própria visão do que seja o jornalista. Quem vê a televisão, por exemplo, pode criar a imagem deformada de que a vida do jornalista é de puro glamour.

A pesquisa de Roberto tira o véu que encobre essa realidade e revela um drama digno de Shakespeare. Deixa claro que, assim como a absoluta maioria é completamente apaixonada pelo que faz, ao mesmo tempo está em sofrimento pelo que faz, o que na prática quer dizer que, amando o jornalismo eles não se sentem fazendo esse jornalismo que amam, sendo obrigados a realizarem outra coisa, a qual odeiam. Daí a doença! Um dado interessante da pesquisa é que a maioria do pessoal que trabalha no jornalismo é formada por mulheres e, entre elas, a maioria é solteira, pelo simples fato de que é muito difícil encontrar um parceiro que consiga compreender o ritmo e os horários da profissão.

Nesse caso, a solidão e a frustração acerca de uma relação amorosa bem sucedida também viram foco de doença. Heloani percebeu que as empresas de comunicação atualmente tendem a contratar pessoas mais jovens, provocando uma guerra entre gerações dentro das empresas. Como os mais velhos não tem mais saúde para acompanhar o ritmo frenético imposto pelo capital, os patrões apostam nos jovens, que ainda tem saúde e são completamente despolitizados.

Porque estão começando e querem mostrar trabalho, eles aceitam tudo e, de quebra, não gostam de política ou sindicato, o que provoca o enfraquecimento da entidade de luta dos trabalhadores. “Os patrões adoram, porque eles não dão trabalho”. Outro elemento importante desta “jovialização” da profissão é o desaparecimento gradual do jornalismo investigativo. Como os jornalistas são muito jovens, eles não tem toda uma bagagem de conhecimento e experiência para adentrar por estas veredas.

Isso aparece também no fato de que a procura por universidades tradicionais caiu muito. USP, Metodista ou Cásper Líbero (no caso de São Paulo) perdem feio para as “uni”, que são as dezenas de faculdades privadas que assomam pelo país afora. “É uma formação muitas vezes sem qualidade, o que aumenta a falta de senso crítico do jornalista e o torna mais propenso a ser manipulado”.

Assim, os jovens vão chegando, criando aversão pelos “velhos”, fazendo mil e uma funções e afundando a profissão. Um exemplo disso é o aumento da multifunção entre os jornalistas mais novos. Eles acabam naturalizando a idéia de que podem fazer tudo, filmar, dirigir, iluminar, escrever, editar, blogar etc… A jornada de trabalho, que pela lei seria de 5 horas, nos dois estados pesquisados não é menos que 12 horas. Há um excesso vertiginoso. Para os mais velhos, além da cobrança diária por “atualização e flexibilidade” há sempre o estresse gerado pelo medo de perder o emprego.

Conforme a pesquisa, os jornalistas estão sempre envolvidos com uma espécie de “plano B”, o que pode causa muitos danos a saúde física e mental. Não é sem razão que a maioria dos entrevistados não ultrapasse a barreira dos 20 anos na profissão. “Eles fatalmente adoecem, não agüentam”. O assédio moral que toda essa situação causa não é pouca coisa. Colocados diante da agilidade dos novos tempos, da necessidade da multifunção, de fazer milhares de cursos, de realizar tantas funções, as pessoas reprimem emoções demais, que acabam explodindo no corpo. “Se há uma profissão que abraçou mesmo essa idéia de multifunção foi o jornalismo. E aí, o colega vira adversário. A redação vive uma espécie de terrorismo às avessas”.

Conforme Heloani, esta estratégia patronal de exigir que todos saibam um pouco de tudo nada mais é do que a proposta bem clara de que todos são absolutamente substituíveis. A partir daí o profissional vive um medo constante, se qualquer um pode fazer o que ele faz, ele pode ser demitido a qualquer momento. “Por isso os problemas de ordem cardiovascular são muito frequentes. Hoje, Acidentes Vasculares Cerebrais (AVCs) e o fenômeno da morte súbita começam a aparecer de forma assustadora, além da sistemática dependência química”. O trabalho realizado por Roberto Heloani verificou que nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro 93% dos jornalistas já não tem carteira assinada ou contrato. Isso é outra fonte de estresse. Não bastasse a insegurança laboral, o trabalhador ainda é deixado sozinho em situações de risco nas investigações e até na questão judicial. Premidos por toda essa gama de dificuldades os jornalistas não tem tempo para a família, não conseguem ler, não se dedicam ao lazer, não fazem atividades físicas, não ficam com os filhos.

Com este cenário, a doença é conseqüência natural. O jornalista ganha muito mal, vive submetido a um ambiente competitivo ao extremo, diante de uma cotidiana falta de estrutura e ainda precisa se equilibrar na corda bamba das relações de poder dos veículos. No mais das vezes estes trabalhadores não tem vida pessoal e toda a sua interação social só se realiza no trabalho. Segundo Heloani, 80% dos profissionais pesquisados tem estresse e 24,4% estão na fase da exaustão, o que significa que de cada quatro jornalistas, um está prestes a ter de ser internado num hospital por conta da carga emocional e física causada pelo trabalho.

Doenças como síndrome do pânico, angústia, depressão são recorrentes e há os que até pensam em suicídio para fugir desta tortura, situação mais comum entre os homens. O resultado deste quadro aterrador, ao ser apresentado aos jornalistas, levou a uma conclusão óbvia. As saídas que os jornalistas encontram para enfrentar seus terrores já não podem mais ser individuais. Elas não dão conta, são insuficientes.

Para Heloani, mesmo entre os jovens, que se acham indestrutíveis, já se pode notar uma mudança de comportamento na medida em que também vão adoecendo por conta das pressões. “As saídas coletivas são as únicas que podem ter alguma eficácia”, diz Roberto. Quanto a isso, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina, Rubens Lunge, não tem dúvidas. “É só amparado pelo sindicato, em ações coletivas, que os jornalistas encontrarão forças para mudar esse quadro”. Rubens conta da emoção vivida por uma jornalista na cidade de Sombrio, no interior do estado, quando, depois de várias denúncias sobre sobrecarga de trabalho, ele apareceu para verificar. “Ela chorava e dizia, `não acredito que o sindicato veio´. Pois o sindicato foi e sempre irá, porque só juntos podemos mudar tudo isso”. Rubens ainda lembra dos famosos pescoções, praticados por jornais de Santa Catarina, que levam os trabalhadores a se internarem nas empresas por quase dois dias, sem poder ver os filhos, submetidos a pressão, sem dormir. “Isso sem contar as fraudes, como a de alguns jornais catarinenses, que não tem qualquer empregado. Todos são transformados em sócios-cotistas. Assim, ou se matam de trabalhar, ou não recebem um tostão”.

*Jornalista / JornalJá de Porto Alegre-RS

Igreja coleta doações para a reconstrução do Haiti

Foto: Missão Belém | Missionárias de São Paulo atendem vítimas de cólera no Haiti

Cólera, pobreza, falta de estruturas administrativas, falta de água, comida, inacessibilidade à saúde e educação, 1,5 milhão de desalojados, somados às denúncias de tráfico de seres humanos para o exterior, compõem o atual cenário do Haiti, um ano depois do tremor, em 12 de janeiro de 2010, que atingiu os sete graus na escala Richter e teve seu epicentro localizado 25 quilômetros a oeste da capital Porto Príncipe.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), ONG’s e Igrejas têm enviado missionários, voluntários e quantias para tentar suprir as demandas provocadas pelo terremoto. A ONU comprometeu-se a acelerar a reconstrução do Haiti ao longo de 2011, com investimento de cerca de 3 milhões de dólares em projetos sociais.

O papa Bento 16 enviou ajuda financeira de 1 milhão e 200 mil dólares; 800 mil serão destinados à reconstrução de escolas e 400 mil dólares à reconstrução das igrejas. Porto Príncipe conta agora com novo bispo, nomeado dia 12, por Bento 16. Dom Guire Poular, o novo arcebispo da capital do Haiti, sucede dom Serge Miot, – uma das 300 mil vítimas do terremoto de 12 de janeiro de 2010.

Foto: Missão Belém | Crianças são as maiores vítimas, desde o terremoto em 12/01/2010

A Igreja católica em Porto Príncipe contará também com o bispo auxiliar, dom Glandas Marie Erick Toussaint, e com 284 sacerdotes, 1.708 religiosos(as) e dois diáconos permanentes. Em São Paulo, a solidariedade é articulada pela Cáritas Arquidiocesana, que desde o terremoto abriu uma conta para receber doações (banco Itaú, agência 0057 e conta corrente 17.627-3). Até novembro de 2010, foram arrecadados 36 mil e 500 reais, que serão destinados à construção de uma creche em Waf Jeremie, uma favela com 150 mil habitantes em Porto Príncipe.

Os cinco missionários da Missão Belém, reforçados agora por seu fundador, padre Gianpietro Carraro, chegaram no Haiti em 7 de novembro de 2010 e já se depararam com a chocante realidade da terrível doença do cólera.

“Como vocês sabem, 150 mil pobres vivem em cima de um lixão, sem um banheiro, sem higiene, sem água, sem energia elétrica, sem infraestrutura nenhuma. Somente há um pequeno posto médico montado pela querida irmã Marcela [missionária italiana] com a qual os nossos logo colaboraram”, revelou Cacilda da Silva Leste, uma das missionárias, em carta à Arquidiocese de São Paulo.

Os missionários estão no epicentro do surto de cólera, que segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), já provocou a morte de aproximadamente 4 mil pessoas. Maria Chiara Carraro, irmã do padre Gianpietro, disse que o povo do Haiti tem sofrido muito com a falta de água e o crescimento do surto de cólera, devido às precárias condições de higiene, situação agravada ainda mais pela difícil situação política que o país está passando.

Publicado no jornal O SÃO PAULO.

Sobrevivente do terremoto no Haiti relata drama vivido

Por Dirceu Benincá *
com colaboração de Gustavo de Almeida Silva

Durante a reunião da equipe de coordenação nacional das CEBs, realizada em Brasília, de 28 a 31 de janeiro, a religiosa Rosangela Maria Altoé, da Congregação Imaculada Conceição relatou sua experiência vivida com o terremoto no Haiti, do qual saiu com vida por um triz. Ir. Rosangela é secretária internacional da Pastoral da Criança e estava com Drª Zilda no momento da tragédia. Confira a entrevista.

Como você descreve o acontecimento dramático do terremoto, do qual você conseguiu se salvar e que ocasionou tantas mortes?

Foi uma coisa de segundos. Aconteceu um estrondo muito grande e, a partir daí, o prédio começou a balançar e tudo começou a cair. Eu estava ao lado da Drª Zilda. Ela conversava com o padre e nesse momento em que começou o estrondo, saiu correndo em direção à escada. Foi aí que ela caiu. Eu caí do outro lado, numa laje, e fui escorregando. Quando eu consegui um momento de equilíbrio, fiquei em pé e a parede que estava na minha frente caiu pra fora. Então eu pulei e caí em cima dos escombros. Fui tentando me salvar enquanto uns e outros caíam. Foi neste pular e me jogar que consegui sobreviver. Mas, foi questão de segundos. Não tive tempo e não consegui olhar o que tinha acontecido com a Drª Zilda. Eu me dei conta quando tudo estava no chão. A hora que eu vi tudo desabado, eu imaginei que ela não deveria ter tido tempo de sair de lá, porque foi tudo muito rápido. Realmente foi um momento de pavor para toda população que estava ali. A gente viveu um grande medo. Foi uma situação bastante apavoradora mesmo.

Qual foi sua primeira ação? Tentar socorrer alguém?

Em princípio, quando fiquei em pé em cima dos escombros eu vi debaixo de mim um rapaz. Então, primeiro tentei pular, tentei até ver se eu conseguia ajudar a tirar a laje, mas eu não tinha forças para mover aquilo que era muito pesado. Saí para ver se ele conseguia empurrar dali ele mesmo. Graças a Deus conseguiu força para sair. Depois eu fui para a rua e tentei procurar a Drª Zilda entre as pessoas que estavam ali. Todos desesperados corriam de um lado para o outro. Eu não conseguia ver a Drª Zilda. Nesse momento, tentei voltar para o local onde eu imaginava que ela estivesse. Mais ou menos no meio do caminho, veio um outro tremor forte e aí eu tive muito medo. Voltei porque as coisas começaram a cair.

A gente não tinha segurança de andar naquele espaço. Aí eu voltei e, nisso, o rapaz que estava debaixo da laje me segurou e pediu para não voltar lá porque eu iria morrer também. Foi um momento de extrema angústia. A gente sabia que tinha pessoas soterradas; a gente ouvia os gritos das crianças ao lado de uma escola que tinha ruído também. A gente se sentia totalmente impotente para fazer qualquer coisa, até porque o tamanho dos escombros era muito grande e só podia ser removido com máquina. Realmente era uma sensação de total impotência sem poder fazer aquilo que mais gostaria de fazer, de estar ao lado das pessoas que a gente ama que a gente quer bem, tentando salvar.

E os dias que vocês ficaram lá antes de voltar ao Brasil, conseguiram ajudar a retirar alguém ou tiveram que ficar isolados?

Eu fiquei na Base Militar porque o Tenente que estava lá e a Embaixatriz pediram que ficássemos ali. Os soldados da base e os militares saíram. A gente via que a cada momento iam chegando os feridos para serem cuidados por eles. O que eu fiz lá naqueles dois dias que fiquei foi ajudar a cuidar dos bebês das mães feridas que estavam lá. Fiz aquilo que era possível porque eu não tenho nenhuma formação para enfermagem. Fiz higiene dos bebês, ajudei a trocar fraldas e lençóis. Eles não tinham como se levantar daí pra ir a lugar nenhum. Faziam suas necessidades ali mesmo. A gente nem tinha como sair dali. Naquele momento, a maior necessidade era prestar serviço de enfermagem, medicina… Havia muitos feridos, desde ferimentos leves até muito graves.

A situação do país é de fato de extrema pobreza?

Em Porto Príncipe, existem regiões aonde têm pessoas de certa situação abastada, mas grande parte da população e, sobretudo, onde passamos, há muitos pobres e alguns lugares de extrema pobreza. Por onde nós passamos, uma grande favela, a realidade de pobreza é chocante. Há necessidade de um trabalho muito sério com relação a higiene, educação etc. O Haiti é um país pobre, mas teria bastante possibilidades.

Vocês estavam lá para ajudar a criar a Pastoral da Criança?

No Haiti, existem algumas pessoas que fazem isoladamente esse trabalho. Nós estávamos lá exatamente para essa primeira missão que era estabelecer contatos com os religiosos. Foram eles que nos chamaram. Queriam que a Pastoral da Criança se estabelecesse lá. A idéia era também conversar com o arcebispo, com organismos internacionais, como UNICEF, OMS, OPS, Ministério da Saúde etc. A intenção era articular todas as pessoas com quem normalmente a Pastoral da Criança trabalha e desenvolve sua metodologia comunitária de fé e vida. A gente conseguiu apenas fazer a conversa com o Núncio Apostólico. A Drª Zilda conversou por uma hora com ele depois da missa a qual ela participou e com esse grupo de religiosos. Ela nem chegou a proferir a palestra para a qual foi chamada que era para as conferências religiosas nacionais caribenhas que estavam reunidas lá.

Por isso que morreram alguns religiosos, porque estavam na reunião?

Sim. Morreram religiosos porque estavam lá naquele centro de formação. Nem todo mundo tinha conseguido sair até o momento que deu o terremoto. Então, ficaram soterrados aqueles religiosos que trabalham no Haiti. Aqueles que estavam reunidos para a conferência, com eles não aconteceu nada, porque na região onde estava a casa da conferência dos bispos não chegou a danificar muita coisa e não atingiu ninguém.

Como foi o retorno ao Brasil? Vocês vieram junto com o corpo da Drª Zilda? Como foi a experiência?

Para mim foi uma experiência bastante dura, até porque foi a primeira vez que eu saí com a Drª Zilda. Eu já saí do Brasil em outros momentos para encontros da Congregação, mas com a Drª Zilda em missão da Pastoral da Criança foi a primeira vez. Sair e voltar com ela morta no mesmo avião, isso pra mim foi muito duro. A gente nunca sai pensando que vai acontecer alguma coisa assim. Eu saí muito feliz com ela para essa missão. Voltar com ela morta realmente foi uma experiência de muito sofrimento, de dor, de perda e também de questionamentos: Por que eu sobrevivi e ela não? O que Deus quer de mim com isso? Quando a gente estava no auge daqueles tremores, todo mundo gritava sem parar: “Deus salva”. Eles diziam em francês, mas a gente ia acompanhando os gritos. Muitos deles rezavam alto. E eu fico pensando: É o povo haitiano crucificado junto com Jesus! Acho que é um processo de identificação muito grande. A cena foi forte, ver tudo no chão e só o crucifixo ali de pé. Isso fala mais do que muitas palavras.

Como você está administrando esse trauma?

Não vou dizer que é fácil. Eu tenho muita fé; converso com Deus o tempo todo porque eu sei que Ele está dentro de mim. Ele me ilumina, é minha fonte, é minha luz e Ele me dá força para eu ir superando a cada momento. Mas não dá pra esquecer as imagens vividas; tudo aquilo que eu escutei naqueles dias. São imagens que voltam; que estão presentes o tempo todo. Elas vêm como um filme e em muitos momentos provocam medo, pavor, aumento de pressão. Nesses momentos em que esse sentimento vem eu volto a me colocar diante de Deus e conversar com Ele sobre toda essa situação. É a maneira que eu vou encontrando de superar e ao mesmo tempo de acolher e integrar tudo isso que veio de uma forma tão inesperada na minha vida.

O que você acha que a gente pode fazer agora para o povo que está lá, que está sofrendo, ferido, padecendo? Qual seria a melhor forma de ajudar esse povo?

Eu acredito que tem muitas formas de ajuda, de solidariedade. Em curto prazo, de imediato precisa muito de pessoas que tenham conhecimento técnico para locomover escombros, ajudar no processo de reconstrução, atender os feridos. Acredito também que nesse momento é importante ainda uma solidariedade financeira, doação de roupa, comida, material de higiene porque eles não têm nada. Perderam tudo. Eu tenho um pouco de receio para quem e onde enviar dinheiro para que eles não sejam mais lesados do que já foram até agora. Que esse dinheiro seja realmente passado às entidades honestas e sérias no sentido de realmente ajudar o povo a se levantar dos escombros. Muita gente já se enriqueceu a custa da pobreza do Haiti.

A longo prazo seria importante e necessário a presença de pessoas que soubessem fazer um trabalho de escuta porque as marcas ficam muito fortes. Precisa gente para ajudar a fazer um processo de integração do ponto de vista psicológico, emocional. Com certeza, mais do que nunca agora será necessário implantar a Pastoral da Criança lá. Se existe um povo que precisa com urgência é esse.

* Dirceu Benincá é doutorando em Ciências Sociais pela PUC/SP.