Dia de sol forte, calor … preciso pegar o trem, destino Franco da Rocha. Passo por um portão grande, jamais tinha atravessado um daqueles, atravesso um corredor até chegar na próxima porta toda de aço, do outro lado um homem pergunta “quem é você?”
Respondo e a porta se abre, apresento meu RG no balcão, guardo minha bolsa no armário de visitantes. Passo no detector de metal e ele apita, tiro o tênis, o brinco, relógio, passo novamente, outro apito. “Você não pode entrar moça”, mas por quê? A minha calça jeans tem metal, me coloquei à disposição para ser revistada pelas agentes femininas, até que um agente, um rapaz simpático, de camiseta cinza, com o bordado – Penitenciária do Estado de São Paulo, me deu a dica “moça passa de lado”; dito e feito, nada de apito.
Me recompus, coloquei o anel, relógio, tênis e aguardei o próximo portão, eu estava na Penitenciária “Mário de Moura Albuquerque”, conhecida como P1, que hoje conta com 1630 detentos. A cada portão que eu passava, o ritual, trancar e caminhar até o próximo. Durante o percurso até a ala das celas, encontrei vários detentos, que cumprimentavam com um respeito pouco visto nas ruas de São Paulo.
Passei pela triagem, vi ali de longe um homem trancado com os braços largados nas grades, caminhei mais um pouco, passei pela Área de Saúde, pela Biblioteca, pela cozinha, sempre um portão atrás do outro, até que cheguei no salão onde estavam reunidos cerca de 130 homens cumprindo pena na P1.
Estes eram alunos na Penitenciária e estavam participando de um Concurso de Redação. Calças cáqui, camiseta branca, chinelo havaiana, cabelos bem cortados, local limpo e quente. Cheguei em meio a uma canção, me lembro apenas desta parte ” a Aurora de um novo dia”, creio que resume bem o sentimento daquele lugar.
Fui muito bem acolhida pela coordenadora da FUNAP – Fundação “Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel”, Profa. Claudia Nascimento e pelo Aílton José da Silva, um dos reeducandos do Presídio, responsável pela organização do Concurso e estimulador da prática da leitura na penitenciária.
As redações começaram a ser lidas e premiadas, fui convidada a ler uma. O fiz com a voz embargada, respiração acelerada, até que meu corpo se rendeu àquelas linhas. Se rendeu às palavras de esperança, de mudança de vida, de luta e liberdade. Foi um dos textos mais emocionantes que já li, escrito por alguém que vê no papel uma fuga ou quem sabe uma resposta, um caminho…
Tirei fotos sob o olhar atento do agente penitenciário, fotos do concurso, do bonito bolo decorado com a bandeira do Brasil, em homenagem à seleção brasileira, quem pensou que perderíamos de 3 a 0 para a Argentina?
Fotos de olhares, sorrisos, abraços, angústias…conheci ali, um projeto de educação, de vida, o único meio de alterar a realidade daqueles homens… conversei com alguns deles, uns justificando sua estada ali, outros contavam-me como é viver em espaço limitado.
“Tchau, obrigada pela visita” , foi assim que se despediram. Atravessei aqueles portões pensando, em que condições de ressocialização aquelas pessoas estarão ao terminarem de cumprir suas penas?
O portão se abriu, senti o sol forte, o vento batendo no meu rosto, com uma sensação de gratidão a Deus pela minha vida, pelo ar, pelo meu espaço vital.
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