Sentada com sua havaiana, camiseta branca e calça cáqui contando-me sobre sua longa história. Uma história que cabe num filme de aventura ou drama, temperada pelo desejo de recuperar aquilo que foi um dia. Contada com um fôlego e uma rapidez que me faz pensar que seria difícil mentir tanto e tão rápido.
Enquanto eu a entrevistava, uma outra jovem se aproximou de nossa conversa. Era Milena, que também responde processo por tráfico e associação ao tráfico.
Mas eu ainda estava com Talita. “Fui presa dia 22 de novembro, o meu avô faleceu em acidente de carro e minha avó não respondia mais as minhas cartas, porque já era minha quinta cadeia. Ela cansou e eu entendo”.
Ela lembrou, que nas primeiras cadeias, a avó se dividia para garantir o jumbo dela e do irmão que cumpria pena em São Bernardo do Campo.
“Na minha primeira cadeia ela trazia jumbo pra mim. Na segunda, ela me visitou um ano e quatro meses na penitenciária do Estado, me mandava jumbo via sedex. Na terceira cadeia ela já baqueou, falou pra mim que infelizmente eu tinha que sofrer um pouco”.
– Você concorda com ela? – Perguntei.
– Concordo sim.
“É um trampo muito grande para a minha avó. Ela tinha as despesas da casa, eu presa e o meu irmão preso. Foi um ano e quatro meses assim. Tinha vezes que ela ia ver meu irmão no sábado e eu no domingo. Ela puxou cadeia junto comigo. Fiquei quatro meses na terceira vez. Saí e nem fui em casa, fui direto para a Cracolândia”, disse de cabeça baixa, com as mãos agitadas.
Um trecho de meu livro, O Peso do Jumbo. Neste dia estava com Luciney Martins responsável pelas fotos, a quem agradeço os registros e apoio, sempre.
Você encontra meus livros na loja virtual da @editorapaulus e nas boas livrarias.
Reconhecer os sentimentos de raiva, culpa, medo, indignação. Estar aberto ao diálogo, dissipar os maus sentimentos, perdoar, quebrar os ciclos de violência, as dores e construir relações saudáveis por uma cultura de paz. Esses foram alguns dos objetivos dos agentes da Pastoral Carcerária (PCr) de Guarulhos, que se reuniram nos dias 10 e 11, no Centro Social da Paróquia Santa Cruz e Nossa Senhora do Carmo, no Taboão.
Alunos da Escola do Perdão e Reconciliação (ESPERE), eles identificaram sentimentos e aprenderam conceitos sobre Justiça Restaurativa, sob a orientação das agentes da PCr Edina Lima, Geralda Avila e do secretário-executivo da PCr de São Paulo, Adolfo Olios, todos com experiência no mundo do cárcere, e formados pelo Centro de Direitos Humanos e Educação Popular (CDHP) de Campo Limpo (SP).
“Nosso objetivo é fazer com que as pessoas pensem em seus sentimentos e ações, percebam que a violência que sofrem em suas relações interpessoais pode ser reflexo daquela que praticam”, disse Geralda, lembrando que o curso visa capacitar homens e mulheres para o exercício do perdão e da reconciliação.
“Só assim conseguiremos recuperar o tecido social esgarçado pela violência”, disse a agente, durante as dinâmicas e momentos de partilha dos participantes. A agente visita e realiza trabalhos sociais em nome da pastoral e em parceria com a sociedade civil dentro de unidades prisionais na capital e em Franco da Rocha (SP).
“É preciso olhar para o ser humano com tudo o que ele é, com sua história, seus traumas. É preciso que cada um de nós olhe para dentro, perceba suas dores, seus sentimentos, alcance um autoconhecimento e conheça seus limites nas relações pessoais”, ensinou Edina.
Para ela, a ressocialização das pessoas encarceradas, deve passar pelo autoconhecimento. Só assim conseguirão entender o dano causado às vítimas e irão assumir a responsabilidade por seus atos, de modo a não o praticarem novamente, com consciência.
O curso utiliza a Metodologia das Escolas de Perdão e Reconciliação (ESPERE) desenvolvida pela Fundación para la Reconciliação em Bogotá, Colômbia e tem como conceitos fundamentais a consciência da raiva e do conflito presente nas relações e o exercício para sua superação ou transformação: encarar, sentir, falar e refletir a respeito.
“A justa justiça para restaurar o dano, recuperar o malfeito e restabelecer a convivência entre as pessoas e a responsabilização e restauração são apresentadas como forma alternativa à punição”, revela o material didático do curso. A segunda etapa do curso, para os agentes da Pastoral carcerária de Guarulhos deve acontecer no dia 14 de abril, no mesmo local.
Dom Edmílson Amador Bueno, bispo da Diocese de Guarulhos, participou de parte do curso e deixou seu apoio à Pastoral. “O trabalho de vocês é importante. Quando vocês estão no cárcere levam a Palavra de Deus e o próprio Cristo, levam a esperança e nós sabemos que a realidade do Sistema Prisional brasileiro tira a dignidade de quem lá está e reduz as possibilidades de ressocialização”.
A Pastoral Carcerária de Guarulhos é coordenada por Rosa Pereira Lima, que visita presídios e familiares de presos há 18 anos e assessorada pelo padre Valdocir Aparecido Raphael, com mais de 30 anos dedicados ao mundo do cárcere.
Padre Valdir, da Pastoral Carcerária denuncia mortes nos presídios paulistas
20 anos depois do Massacre do Carandiru, entidades se reúnem para debater políticas de extermínio em SP
Quase 20 anos depois do “Massacre do Carandiru”, episódio em que 111 homens presos foram assassinados pela Polícia Militar, dentro de um presídio paulista em 2 de outubro de 1999, a Rede 2 de Outubro e com ela, a Pastoral Carcerária realizaram fórum sábado, 25, na zona leste, para discutir “os massacres diários”, que segundo as entidades continuam a acontecer em São Paulo e no país.
“Vê-se uma prática de extermínio nas periferias, a gestão pública deliberou criminalizar e combater os 3 P: os pretos, pobres e periféricos”, disse Carolina Catini da Rede Extremo Sul. Para a rede há um crescimento do poder militar na capital paulista, realizando tarefas que não condizem com suas atribuições.
“As questões sociais e as questões de polícia, hoje, estão fortemente unidas, isso porque a primazia da necessidade econômica coloca o Estado como movimentador da gestão financeira, dos mercados financeiros”, afirma Carolina, lembrando que a higienização do centro de São Paulo trata-se de uma questão de mercado, imobiliária.
Para a rede, a principal política quem vem sendo empregada em São Paulo é a repressão com “despejos violentos nas periferias e incêndios criminosos nas favelas, uma tentativa de acabar com a distribuição do sopão no centro, passando pela ação na Cracolândia e internações compulsórias. Há a guerra contra os camelôs, mortes nas periferias e de moradores em situação de rua”.
Somente em 2012, 23 favelas foram incendiadas, e moradores e movimentos sociais suspeitam que resultam da especulação imobiliária e de um movimento de higienização da grande São Paulo. Para averiguar a situação foi aberta Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara Municipal dos Vereadores, ainda inconclusiva.
Sistema prisional brasileiro
“A situação é muito precária, como em todo o Brasil, nós temos nove mil vagas e cinco mil pessoas detidas”, disse padre João Bosco Francisco do Nascimento, assessor da Pastoral Carcerária e vice-presidente do Conselho de Direitos Humanos do Estado da Paraíba. O padre critica a secretaria estadual do sistema prisional, segundo ele o trabalho é dirigido por militares que têm visão limitada, sem qualquer possibilidade de ressocialização.
“Fazendo uma inspeção vimos celas com oito camas para 20 mulheres, dormem duas por cama e as demais dormem no chão”. O cenário não se limita ao estado da Paraíba, em São Paulo, “há um massacre lento, que vai tirando a vida aos poucos”, disse padre Valdir João Silveira, assessor nacional da Pastoral Carcerária e da Arquidiocese de São Paulo. Padre Valdir aponta que a pastoral acompanha diariamente os maus tratos a que são submetidos os presos.
“O Estado deveria dar para cada pessoa presa o kit higiene (com pasta e escova de dentes, sabonete e papel higiênico) e na maioria das vezes os presos não recebem. Agora você pode imaginar: em São Paulo, há celas com espaço para oito pessoas, om 40, 50 presos na mesma cela? Nem sequer têm as necessidades fisiológicas respeitadas. No dia a dia isso é uma tortura”, denunciou o padre. O assessor apontou o caso específico do Conjunto Penal de Serrinha, na Bahia, onde os serviços são terceirizados. Ali, segundo o padre, os detentos têm 30 segundos de torneira aberta para o banho. “Como se vai saciar o corpo em 30 segundos? O Estado determina o tempo, é aniquilamento, é morte aos poucos da privacidade”.
Mortes nos presídios da América do Sul
De 1999 a 2006 foram contabilizadas 3.275 pessoas no sistema prisional paulista. “Não é um massacre? Por estas mortes alguém é punido? O Ministério Público, o governador alguém respondeu por isso? Existe um massacre silencioso e ninguém dá conta, porque é gente de periferia”, concluiu padre Valdir.
O assessor da Pastoral acabara de chegar de um encontro no Chile, onde familiares de detentos denunciavam a morte, em 8 de dezembro de 2010, de 81 detentos queimados no presídio de São Miguel do Chile. Neste momento articula-se uma rede da América do Sul para discutir a política de encarceramento no continente.
A Pastoral Carcerária Nacional gravou denúncias de tortura em 20 estados brasileiros. Assista o vídeo produzido pela APública. A tortura ainda não acabou, vamos compartilhar esse vídeo e denúnciar a violação de direitos humanos no Brasil.
Uma em cada 171 pessoas no Estado de São Paulo está presa. São 188.518 presos em detenção provisória ou cumprindo pena em presídios do Estado; 81,85 presos novos por dia. “Decorrência direta desse aumento vertiginoso da população carcerária, a superlotação hoje se reflete nas 85.838 pessoas presas além da capacidade legal do sistema prisional paulista”, denuncia nota pública da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo.
Em nota, a Pastoral critica também a entrega à iniciativa privada, da construção e administração de novas unidades prisionais. Segundo o jornalista Rodrigo Viana, do blog “O Escrevinhador”, o governo paulista planeja buscar parceria privada para a construção de três novos presídios na Grande São Paulo, com capacidade para 10,5 mil detentos. A proposta preliminar, aprovada no início do mês, prevê investimentos de 750 milhões de reais, em 27 anos.
“Não podemos admitir que a restrição à liberdade seja objeto de exploração pela iniciativa privada… Aquelas mesmas pessoas alijadas do exercício dos mínimos direitos fundamentais serão agora insumos para a iniciativa privada”, aponta a nota.
O “Plano de Expansão de Unidades Prisionais do Governo do Estado de São Paulo” também foi criticado. Ele prevê, até 2015, a construção de 49 presídios, no valor de 1,5 bilhão de reais, e como se vier, com o apoio da iniciativa privada.
Para a pastoral, a redução da população carcerária só virá com a estruturação das unidades existentes com os equipamentos e com os profissionais adequados à promoção dos direitos básicos inscritos na Constituição da República e na Lei de Execução Penal, apontando ainda tanto o Judiciário quanto o Ministério Público como responsáveis pelo ingente número de pessoas presas “sem necessidade real”. A pastoral vê abusos na utilização da prisão cautelar.
“Parece claro que essa política de encarceramento em massa, longe de responder aos anseios sociais por segurança pública, apenas interessa a quem é ávido por lucrar com o sistema prisional e com a reprodução da cultura de violência”, critica a pastoral.
Para responder às críticas e denúncias da Pastoral Carcerária, O SÃO PAULO buscou o secretário de Administração Penitenciária, Lourival Gomes, que recusou-se a responder à nota, ou às perguntas enviadas pela reportagem, respondendo apenas e por meio da assessora Rosana Garcia: “Por ser uma Nota Pública, a Secretaria não irá se pronunciar”.
A Nota Pública traz ainda denúncia de que apenas 8% têm acesso a alguma forma de educação dentro dos presídios; 12% exercem atividade remunerada; aponta o serviço de saúde como “frágil, com quadro técnico incompleto e diversos casos de graves doenças e até de óbitos oriundos de negligência”; celas onde cabem 12 pessoas, aglutinam-se mais de 40 pessoas e, por fim, a tortura.
A Pastoral Carcerária publicou em 2010 relatório com denúncias de torturas em todo o Brasil. O Estado de São Paulo foi o que mais registrou casos de tortura, 71. “A lei de execução penal determina que ele [o preso] fique privado de sua liberdade, e não de seus direitos”, disse padre Valdir João Silveira, coordenador da Pastoral Carcerária Nacional – CNBB e na Arquidiocese de São Paulo, à época do lançamento.
Era sexta-feira, dia 12, 12h40, quando o portão da Penitenciária “Mário Moura e Albuquerque” se abriu pela última vez para Paulo Henrique Nascimento da Silva, 28 anos. Era a liberdade para o pai de Ana Alice e Vinícius, depois de sete anos e 11 meses de cumprimento de pena por tráfico de drogas. Era o Dia dos Pais mais esperado.
No portão do presídio, debaixo de um sol forte, Paulo abriu um sorriso, respirou fundo e falou a O SÃO PAULO. “A sensação é boa demais. A liberdade é o melhor presente que eu poderia ter ganhado, esse é o melhor Dia dos Pais que eu já tive. Vou cuidar dos meus filhos, da minha esposa e reconstituir minha família cada vez mais”.
Nas mãos, o jovem pai, carregava uma pequena bíblia, fotos da família e seu alvará de soltura. O corpo magro trazia um velho agasalho, bermuda e chinelas havaianas, que sustentaram seu ansioso caminhar, até sua casa no Jardim Ângela, zona sul da capital.
Pai de Ana Alice, 10, e Vinícius, 11, Paulo Henrique passou seu Dia dos Pais com toda a família. “Meus filhos ficaram bem com a presença do pai. Eu, que por muito tempo fui pai e mãe, fico muito feliz que ele, agora, assuma seu papel”, disse Elisângela Nascimento, esposa do jovem pai. A história de Paulo Henrique não é única. A reportagem esteve nos presídios de Franco da Rocha, nos dias 11 e 12, para acompanhar a “saidinha” dos pais que visitaram pela primeira vez seus filhos e falar com aqueles que não desfrutaram do benefício. “Aqui há um vazio. Há a saudade da família, dos irmãos e amigos. Eu peço perdão aos meus filhos e a vocês também pelo o erro que eu cometi. Espero não errar mais. Vou levar minha vida adiante, trabalhar e criar minhas filhas”, disse Pinto Lúcio Figueiredo, 55 anos. Pai de três filhos e cumprindo pena há cinco anos, de um total de 13 por homicídio. Depois de cinco anos, o mineiro Pinto Lúcio passou novamente o Dia dos Pais com seus filhos.
Calado, à frente do portão, estava Francimar Coelho Viana, 49 anos, pai de Denílson, preso há um ano e condenado há cinco anos e três meses por tráfico de drogas. Essa é a primeira vez que nossa família passa por isso. Espero que meu filho não faça mais nada de errado. Todos temos direito de errar, não é? Mas não pode ficar errando. É ruim demais deixar ele aqui”, disse o pai que viaja da zona leste de São Paulo, até Franco da Rocha, todo domingo para visitar o filho.“Enquanto ele estiver preso, eu venho aqui, é meu filho, não vou abandoná-lo”.
Também no dia 12,O SÃO PAULO visitou o Raio 2, onde 446 homens cumprem pena. Lá histórias de arrependimento e saudade, se misturam às queixas quanto à morosidade da Justiça e falta de benefícios “na cadeia”. “Se nós tivéssemos escola e emprego bom, a senhora acha que ia “tá” cheio de gente aqui?”, dizia um jovem universitário preso, em meio aos demais no raio. Muitos se aproximavam da reportagem para deixar uma mensagem para seus pais e filhos, até que Laudinice Pedreira Rocha (Nice), agente da Pastoral Carcerária, pediu um momento para a oração.
Uma roda se abriu no meio do raio. Em seu entorno, as celas, antenas de TV com os seus “gatos” e roupas secando no varal, compuseram o cenário dos pedidos de oração, pelos pais falecidos, pelos filhos, pelas famílias e pela presença da pastoral no presídio. As orações se seguiram, até que um homem se dirigiu ao meio do grande círculo, abriu a bíblia, leu uma passagem do livro do Êxodo e pediu: “Pai não nos deixeis cair de novo, dá-nos a esperança, a cada dia”, era Anderson Lima de Souza, 27 anos. De mãos dadas, trancados no Raio 2 e cobertos pelo céu azul, o “Pai Nosso” foi rezado com intensidade, seguido de uma Ave Maria, como poucas vezes visto por essa reportagem.
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) divulgou hoje (19) os vencedores da 16ª edição do Prêmio Direitos Humanos. A premiação será realizada no dia 13 de dezembro de 2010, em Brasília. A Pastoral Carcerária foi premiada graças à relevância destacada na prevenção e no combate à tortura em locais de privação de liberdade, considerando serem as prisões o lócus de sua atuação. A Pastoral reúne voluntários que realizam visitas regulares nessas instituições, com vistas a proteger a dignidade humana.
Dentre suas ações destacamos também as denúncias de violações de direitos a instâncias nacionais e internacionais, como a Comissão Interamericana de Diretos Humanos e a participação ativa nos Comitês Estaduais e no Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. Considerando pertencer ao segmento sociedade civil, a Pastoral se destaca por sua atuação expressiva e cotidiana em presídios, inclusive ofertando assistência jurídica aos que lá se encontram privados de liberdade.
Destaca-se também a recente publicação de relatório de denúncias de tortura no sistema penitenciário. na presença do ministro da SDH Paulo Vannuchi. O Prêmio Direitos Humanos é a mais alta condecoração do governo brasileiro a pessoas e entidades que se destacaram na defesa, na promoção e no enfrentamento e combate às violações dos Direitos Humanos em nosso país.
A divulgação de ações relevantes praticadas em prol dos direitos fundamentais inerentes a todos os seres humanos através de um prêmio com envergadura nacional é de suma importância, tanto para o reconhecimento daqueles que atuam com consciência humanitária, como para a ampliação da sensibilidade da sociedade brasileira sobre a necessidade do respeito aos Direitos Humanos. O Prêmio, nesse sentido, é um importante elemento de Educação em Direitos Humanos pela sua capacidade de colaborar para a construção de uma cultura de paz na sociedade.
O Prêmio Direitos Humanos é a mais alta condecoração do Governo Brasileiro a pessoas e entidades que se destacaram na defesa, na promoção e no enfrentamento e combate às violações dos Direitos Humanos em nosso país. Constituída por personalidades nacionais ou indivíduos com notórios serviços prestados à causa dos Direitos Humanos no Brasil, e presidida pelo ministro Vannuchi, a Comissão de Julgamento contou com a presença de José Geraldo de Sousa Junior, Matilde Ribeiro, Maria Victoria Benevides, Solon Viola e Alci Marcus Ribeiro Borges.
Desde o início do Ká entre nós, em maio de 2008, observo que as matérias mais acessadas e lidas, estão ligadas aos movimentos sociais, às questões indígenas e especialmente à questões do cárcere privado. Para minha surpresa e alegria, os leitores deste blog, variam entre lideranças sociais e pastorais, professores, colegas jornalistas, políticos e seus assessores, bem como reeducandos (ex-presidiários) e seus familiares.
Neste link observa-se o número de mensagens trocadas entre esposas, namorados e amigos de reeducandos que enfrentam as dificuldades da visita, da saudade e claro, do preconceito.
Ontem (15/09), junto à Pastoral Carcerária, fui à Francisco Morato – uma microregião do município de Franco da Rocha, com cerca de 160 mil habitantes. Naquele local conheci duas famílias, a de Everaldo e Nenê. Ambos cumpriram pena em presídios de Franco da Rocha e agora cumprem outrop tipo de pena na liberdade: a falta de oportunidade para recomeçar, falta o emprego.
Everaldo José da Silva, é jovem, casado, pai de um menino de oito anos. Desde que saiu da penitenciária, tem buscado integrar os egressos do município, para que organizados consigam encontrar oportunidades de trabalho e fontes alternativas legais de renda. A vontade de mudança, a ânsia por recomeçar está estampada no rosto do jovem. Na estante estão seus livros e no peito o desejo de retomar a faculdade de direito.
Junto à Pastoral Carcerária e Everaldo visitamos a casa de algumas pessoas no bairro Jardim Alegria, entre elas conheci Nenê, pai de sete crianças – três seus e quatro de sua companheira- (uma acabara de retornar da UTI no colo da esposa, que caminhou 40 minutos do hospital até sua casa). O sorriso do pai ao pegar o bebê no colo foi marcante, e mais ainda sua afirmação. “Tenho essas crianças pra sustentar se eu não arrumar emprego vou ter que roubar, elas dependem de mim”, disse Nenê, em liberdade há seis meses, depois de nove anos preso.
Everaldo também nos levou à casa de Dona Elenice e Sr. Brito, idosos com problemas de saúde, ambos moram em um barraco no meio do mato. Não há energia, tão pouco esgoto, mas há ali esperança. Dona Elenice é tímida, perguntei sobre seus filhos, e me revelou ter quatro “espalhados pelo mundo”. Ali o casal depende da solidariedade de pessoas como Everaldo.
Durante a visita acompanhou-nos um rapaz que ia filmando tudo, registrando minhas perguntas, nossas ações, nada que me intimidasse, mas me deixava curiosa. O desejo deles é registrar tudo o que acontece, com fotos, filmes, estão se organizando para fundar a Associação de Moradoresdo Jd. Alegria e Amigos de Francisco Morato. O objetivo é ajudar egressos a se ressocializarem, encontrarem oportunidades de emprego, denunciarem o preconceito, criando consciência na sociedade, de que é necessário intervir e cobrar dos órgãos públicos os direitos garantidos em lei. Everaldo insisti que ele foi condenado e cumpriu pena de acordo com a lei, e por isso acredita que ela [a lei] deva ser respeitada por todos os cidadãos, não apenas pelos pobres.
Nesta manhã (16/09), recebi telefonema de Everaldo “Karla desculpa te ligar, mas o senhor Brito passou mal, ligamos para a ambulância do resgate, eles não vieram porque diziam estar com muitas ocorrências, coseguimos um carro e levamos o Brito até o hospital, chegando lá no estacionamento adivinha? Tava lá a ambulância parada, várias, isso é um desacaso com a gente”.
O Ká entre nós está aqui, escrito por uma Maria prestes a receber o diploma de jornalista. Percebo na pele, no coração, depois de tantas andanças de norte a sul desta cidade e deste país, que a função de um jornalista e de um meio de comunicação, por mais simples que seja é servir a sociedade. A redundância do serviço aqui, se faz necessária. Este blog, os meios de comunicação precisam informar e denunciar, servindo aos sujeitos para que se organizem e cobrem seus direitos, assim como Everaldo e as esposas de tantos reeducandos, que me orgulham de tê-las como minhas leitoras.
O último sábado (29/08) foi saudado com um sol bonito e quente, um céu azul, azul…um belo dia para celebrar a vida, a liberdade e de fato eu a celebrei.
No mesmo dia, às 7h30 estou à caminho de Franco da Rocha, mais especificamente ao presídio Nilton Silva, o P2. Acompanho a Pastoral Carcerária Padre Macedo, que tem uma missão especial. Orientar os presos que estão buscando o matrimônio.
Karla Maria | Os 13 casais na Penitenciária Nilton Silva, Franco da Rocha
Para a realização do casamento, a pastoral conta com o apoio do diretor da Penitenciária, senhor Adevaldo Pereira de Souza e todos os funcionários, que vêm a iniciativa da Pastoral como um incentivo à ressocialização do preso. “Com a possibilidade do casamento, eles passam a se cuidar, o comportamento melhora muito e eles ficam mais tranqüilos, porque sabem que alguém os espera lá fora”, afirmou um dos coordenadores de disciplina, João Braga.
Às 9h da manhã o portão do P2 já abrigava as noivas, 13 mulheres ansiosas aguardavam o momento de reencontrar seus noivos. Juntos acompanharam a palestra assessorada pelo casal Nery e Nadir Oliveira, casados há mais de 30 anos, membro da Pastoral Familiar da Arquidiocese de São Paulo. Durante a palestra Nery falou da importância do perdão na convivência e na construção de um lar.
Às 12h a palestra foi encerrada e foi servido um lanche, com pão quentinho feito na padaria do presídio. Neste intervalo as histórias de amor surgiram. Elisangela da Silva Santos tem 27 anos e Reinaldo Machado Bueno, 26. Se conheceram no centro da cidade de São Paulo há nove anos, enquanto Reinaldo morava na antiga FEBEM – Fundação Estadual do Bem Estar do Menor. Hoje o casal tem quatro filhos Gabriel, Daniel, Samuel e Mayara e contam com a ajuda da Pastoral Carcerária para oficializar a união.
foto: Karla Maria | Reinaldo e Elisângela
Reinaldo afirma que quer casar para provar seu amor e começar uma nova vida com Elisangela. Quando questionado porque estava preso ele respondeu de cabeça baixa: “a situação estava extrema e pra poder ajudar em casa eu roubei, mas agora eu to pagando, Graças a Deus”, afirmou o reeducando que está preso há dois anos e cinco meses e se diz esquecido pelo estado. “Se não é a pastoral carcerária vim aí, a gente fica esquecido, como um leão dentro da jaula e é muito desumano”, afirma Reinaldo, que tem ainda 2 anos e meio pela frente de pena a cumprir.
Após o intervalo, uma pausa para dúvidas sobre a cerimônia que ainda não tem data marcada. Para o Casamento Coletivo no Presídio Nilton da Silva, estão cadastrados 79 casais, que serão acompanhados pela pastoral.
A Pastoral Carcerária Padre Macedo, criada em 12 de julho de 2008 faz visitas quinzenais aos presídios de Franco da Rocha e prioriza quatro linhas de trabalho: a evangelização, o diálogo com a sociedade, a promoção da cidadania e a Justiça, buscando a recuperação e o exercício de valores morais, pessoais, coletivos e sociais.
O trabalho da pastoral busca resgatar a dignidade daqueles que por vezes, de fato estão esquecidos por familiares, amigos e pelo Estado. O trabalho não é defender o preso, é acolher, ouvir, respeitar e lutar para que estes homens/mulheres, que estão pagando seus erros, tenham uma segunda chance perante à sociedade. Sem dignidade e respeito, ninguém consegue se levantar e recomeçar.
Eu recomecei, de novo e mais uma vez. Faço questão da redundância. O portão do Nilton Silva se fechou, ouvi a tranca. Respirei fundo. Eram 13h30, o sol não ofuscou meus olhos, ele me saudou com o calor da vida, da liberdade.