O Brasil preto e indígena tomou posse

Sônia Guajajara e Anielle Franco tomaram posse como ministras de Estado. Uma mulher indígena, a outra uma mulher negra. Tomaram posse em um dos espaços públicos palco de golpismo e desordem no último domingo, dia 8.

Foto @ricardostuckert

A posse de ambas foi invadida de cor e cuidado, afeto e sorriso, denúncia e comprometimento de reparação histórica. Os povos indígenas e o povo preto no centro do poder. Quanto simbolismo.

E Política é isso. Ocupação dos espaços. Defesa de ideias e sonhos. Criação coletiva de caminhos para o bem-comum, o bem-viver…

E essas mulheres representam os corpos daqueles e daquelas que ao longo dos séculos, neste país, foram e ainda são objeto e alvo do racismo, da desumanização, da força e da ausência do Estado.

Que dia bonito para ser uma brasileira, para caminhar com Sônia e Anielle em busca de um país verdadeiramente justo e digno para todas e todos os que vivem nesse país.

Em memória de Marielle Franco, de todos os meninos e meninas pretas e indígenas mortos por este país, sigamos construindo com afeto e fé, com sorriso e luta, na tolerância possível, na firmeza com os que não suportam a conviência democrática e respeitosa.

Contra todas as formas de exclusão e pela paz, sigamos juntas!

O racismo ainda persegue e mata a população negra

Em 2019 os negros representaram 77% dos assassinados no Brasil

Fonte: Atlas da Violência 2021

O Ministério Público do Trabalho (MPT) está pedindo a cassação de Sérgio Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares, por perseguição político-ideológica, discriminação e tratamento desrespeitoso. As conclusões do MPT chegam após um ano de investigação e de ouvir 16 depoimentos de ex-funcionários, servidores públicos concursados, comissionados e empregados terceirizados.

Fundada em 22 de agosto de 1988, a fundação foi criada para promover e preservar os valores culturais, históricos, sociais e econômicos da população negra, que tem sido sistemática e historicamente punida pela sociedade brasileira.

A Coalizão Negra por Direitos denunciou Camargo à Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) por violações de direitos humanos e dos interesses da população negra, por não “garantir o exercício de direitos da população negra no Brasil e a proteção da memória e patrimônio cultural que estão sob tutela da Fundação Palmares”.

Os ataques à população negra do Brasil superam seu patrimônio histórico e é importante destacar que as tentativas partem de onde menos se esperava. Em dezembro de 2020 Camargo divulgou lista com 29 nomes de pessoas que foram excluídas da lista de Personalidades Negras da Fundação Palmares, entre elas André Rebouças, Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo.

Confira reportagem na íntegra no site da Agência Signis de Notícias

Racismo, até quando?

Eu não sei você, mas por aqui o peito segue apertado, angustiado. Hoje, uma sexta-feira fria em Guarulhos, depois de uma reunião e um copo quentinho de café, estou aqui sentada – que privilégio – ouvindo o relato de Mirtes. Ouvindo e chorando. Admito. Não é mimimi, como dizem uns, é o sentimento de humanidade comum a todos nós, ou a quase todos.

Mirtes Renata Santana de Souza, essa mulher forte, corajosa, ex-empregada doméstica do prefeito de Tamandaré, uma cidade do Pernambuco, fala da morte de seu pequeno Miguel. Ela fala com tanta dor e saudade. Ele era sua vida, seu orgulho, sua motivação diária

O pequeno Miguel Otávio foi muito cedo e de uma maneira que escancara a classificação que a elite deste país faz dos brasileiros. Miguel tinha apenas cinco aninhos de idade. Um sorriso sapeca, de criança verdadeiramente feliz. Morreu à procura da mãe. Foi abandonado – criminosamente – dentro de um elevador pela patroa da mãe, enquanto sua mãe passeava com a cachorra da família branca, rica.

Será que a patroa Sari Gaspar Corte Real, a primeira dama de Tamandaré, deixaria um sobrinho, um filho dentro do elevador sozinho? Será que ela apertaria o botão do elevador levando o menino para um andar mais alto, afim de que Miguel ficasse “passeando” sozinho dentro do prédio? Você deixaria uma criança sozinha no elevador?

Caímos aqui em algumas reflexões necessárias, indignações, diria. Fosse Miguel uma criança branca seria ele tratado desta maneira? Aquilo que há de mais sagrado, a vida de uma criança, foi banalizada, colocada em risco, para que a patroa, dama da elite pernambucana pudesse continuar fazendo as unhas em casa com sua manicure, em meio a uma pandemia de Covid-19, que até o momento em que escrevo este texto matou mais de 34 mil pessoas no Brasil.

Absurdo a manicure e Mirtes terem de ir até o condomínio rico, em meio à pandemia. Outro absurdo, dentre tantos, foi a demora em conseguir localizar o nome da patroa de Mirtes, porque a polícia preferiu não divulgar. E se fosse o contrário? Se Mirtes fosse a empregada preta que tivesse negligenciado a segurança da filha da patroa? Alguém duvida que ela teria sido levada no camburão e estaria presa provisoriamente, aguardando um julgamento como 43% da população prisional brasileira aguarda. Alguém duvida?

A patroa, a primeira dama, foi indiciada por homicídio culposo, pagou 20 mil de fiança e responde em casa, em liberdade. Na mesma casa em que fazia as unhas, enquanto o pequeno Miguel procurava a mãe e caia de 35 metros de altura.

O fato de a primeira-dama, branca, ter contado com privilégios mesmo sendo a criminosa, corresponde ao cenário existente dentro dos presídios que visitei, onde a esmagadora maioria dos presos são pretos. Observe que são maioria nas cadeias, não porque são os que mais cometem crimes, diferentemente do que racistas têm propagado pela blogosfera, e sim, porque todo o sistema judiciário possui mecanismos racistas que privilegiam os criminosos que são brancos e nãos os prendem. Simples assim.

Vejas as abordagens policiais pelas ruas, pelos aeroportos, pelos elevadores… Há seleção de quem deve ser preso, e morto. Das ruas até os juris. Seleção baseada em preconceitos, estigmas entre as autoridades policiais e jurídicas. E a cor da pele é elemento de decisão. Pergunte aos homens e mulheres pretas com quem você convive e se não convive… escute-os, leia-os. Fuja da ignorância, da alienação.

Enfim, este texto é um desabafo, uma maneira de arrancar do peito tanta indignação diante à banalidade do mal. Miguel, Mirtes, Ágatha, Marcos Vinícius, João Pedro, Amarildo, Marielle, George Floyd e tantas e tantas pessoas morreram e morrem diariamente vítimas de racismo, de um sentimento de superioridade branca, e que coloca os cidadãos que têm mais melanina em um lugar de não-cidadania, de não-vida.

Até quando? Até quando?

#vidasnegrasimportam

Encontro de Fé e Política discute questão de “Gênero, Raça e Religião”

Juventude presente em Ipatinga, MG

O 7° Encontro Nacional de Fé e Política, que aconteceu  em Ipatinga, MG, de 27 a 29 de novembro, reservou a tarde de sábado (28/11) para a realização de plenárias temáticas com destaque para a de tema: “Gênero, Raça e Religião”, que aconteceu na Câmara Municipal e apontou questões latentes na sociedade e na Igreja como o racismo e o sexismo. Com a participação de mais de cem pessoas, em sua maioria mulheres negras, a plenária contou com as assessorias de Maria Emilia da Silva e Iradj Roberto Eghari, ambos militantes, ligados à Defesa dos Direitos Humanos.

Em sua explanação, Maria Emilia, missionária, ex-religiosa, negra de sorriso largo, falou do sonho da sociedade igualitária, e que para conquistá-la é necessário uma outra sociedade: a pluriétnica, porque a sociedade uniética monopoliza Deus. Reforçou que espaços de debate, como o Encontro de Fé e Política, são propícios para pensar novas teologias que possam criar novos papeis da mulher e do negro(a) na Igreja. Os participantes da Plenária, vindos dos estados de Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, denunciaram que dentro da Igreja Católica, diferente de outras denominações, os elementos da cultura afro ainda não foram aceitos e respeitados e que a mulher é colocada em segundo plano.

“A organização religiosa só pode ser possível com a liberdade de expressão. Nos quilombos, em Palmares, já havia esta liberdade, o domínio do pensar político e religioso. Ali eles procuravam integrar os elementos da religião católica com a cultura quilombola, eles já entendiam como normal e natural o sacerdócio casado, o sacerdócio feminino. Era um espaço onde negros, índios e brancos gestavam o Brasil.

Uma simbiose lingüística, sem discriminação planejada”, afirmou Maria Emília. Para Iradj Roberto, bahai, filho de iraniano, perseguido pelo governo do Irã é imperativo mudar a ordem social e vê as religiões como instrumentos para tal. ‘Todas as religiões norteiam o caminho, com base no fato, de que a alma humana desconhece raça”, afirmou Iradji. “O racismo é um dos males mais persistentes da humanidade, um mal que impede que uma enorme parcela da humanidade revele seu potencial como ser humano”, concluiu.

Da plenária surge uma voz, direto da Diocese de Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro. Seu nome é Sonia, 40 anos, católica: “Nós negros sofremos muito dentro da igreja católica, o discurso é de irmão, mas nós sofremos demais dentro desta estrutura. O cotidiano nos remete a um retrocesso. Continuo à margem do processo de evolução da história”, desabafou ao som dos aplausos.

A Plenária: Gênero, Raça e Religião”, foi uma das 20 plenárias, que compõem a Programação do 7° Encontro Nacional de Fé e Política, que encerra-se hoje (29/11), após envio Ecumênico.