Os pés descobrem os caminhos, as mãos levantam a bandeira da luta e os lábios entoam os cantos da justiça. Assim foi organizada a 10ª Romaria da Terra e das Águas do Estado de São Paulo, que aconteceu no domingo chuvoso, três de agosto. Com o tema: trabalhadores e trabalhadoras pela vida terra livre, água de todos, povo soberano, cerca de quatro mil pessoas se reuniram no Centro Pastoral Santa Fé, para iniciar a caminhada rumo à Comuna da Terra Irmã Alberta.
Dom Odilo Pedro Scherer, cardeal arcebispo de São Paulo esteve presente e falou sobre a importância da Romaria para a sociedade. “Chamar a atenção sobre a terra, a natureza, a água, para que, primeiro ela seja zelada e segundo, se mantenha na possibilidade de uso para todos e não seja concentrada em poucas mãos”.
A 10ª Romaria da Terra e das Águas organizada pela CPT – Comissão Pastoral da Terra, este ano ganhou a participação maciça da juventude, que decidiu juntar-se para a sua 14ª Romaria. Para Marcelo Henrique Naves, Coordenador da Pastoral da Juventude (PJ) da Arquidiocese de São Paulo a PJ se caracteriza por uma pastoral social, e por isso deve se unir às demais pastorais que lutam pela transformação da sociedade. “A luta pela terra, pelo espaço de uma vida digna reforça a nossa postura de pastoral social, essa é uma luta das pastorais sociais e a luta por terra contra o latifúndio”.
Para Éder Francisco da Silva, da comunidade Dom Luciano Mendes, grupo de jovens da CPT, “é a juventude em construção do projeto de Deus aqui na terra, uma juventude comprometida com Jesus Cristo, para partilhar suas experiências e caminhar junto com o pobre. Essa é a experiência que a PJ tem atuando com a CPT”.
Durante a caminhada encontramos também leigos, religiosos(as), bispos, padres, pais, mães e avós, trabalhadores rurais, urbanos e informais, desempregados, moradores em situação de rua, missionários de muitas partes do mundo, cristãos de várias denominações, certos de que a luta pela terra é uma luta de todos os que defendem uma vida digna e justa para os filhos de Deus, conforme afirmou o padre João Pedro Baresi, comboniano da Conferência dos Religiosos do Estado de SP: “não há soluções pontuais, se não houver uma solução mais global, o modelo dessa sociedade é anti-democrático, marginaliza, é excludente… Então, se os oprimidos não se unirem, não se alcança a vitória”.
Assim que a Romaria tomou corpo, a Rodovia Anhanguera perdeu seu tom cinza ganhando alegria, calor humano, cor e som. “Isso aqui comove, emociona, é a união de esforços, tudo por um mesmo ideal, pela questão da defesa de direito a terra, a água, a vida“, revelou emocionada Sueli Camargo, uma das organizadoras da Romaria e membro da Pastoral do Menor e da Caritas de São Paulo.
Os romeiros tinham um destino: era a Comuna da Terra Irmã Alberta, que há seis anos espera pelo assentamento das 40 famílias que ali se encontram. O terreno da Comuna pertence à SABESP – Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, que pretende fazer ali um lixão. Solidários com aquelas famílias, os movimentos e pastoras sociais, decidiram, caminhar até o acampamento em Romaria, para conscientizar a sociedade sobre o problema e exigir da SABESP e dos poderes públicos resposta e respeito aos anseios da sociedade.
“A Comuna Irmã Alberta foi uma conquista, lá estão acampadas diversas famílias. A maioria era povo de rua e hoje tem um pedaço de terra onde plantam e se sustentam. Nós queremos legalizar esse direito à terra e a Comuna é uma garantia de terra. A SABESP quer transformar isso em lixão, nós queremos transformar em vida”, reforça Sueli.
“A inspiração, a coragem e a vontade de lutar vêm do exemplo de Jesus Cristo”, afirma Andrelina, assessora da CPT. “Nossa vida é baseada na Bíblia, as primeiras pessoas que fizeram romaria foi Moisés e seu povo hebreu. Nós temos que seguir o exemplo daqueles que lutaram pela terra prometida”, disse.
Para chegar na Comuna, os romeiros tiveram de passar pelo barro, terra molhada já pisada, onde tudo que se planta gera vida. Ali se percebe o sentido da luta, resgata-se o sentido da origem da vida, da humanidade, onde todos são iguais e merecem vida digna.
Com sorriso largo e abraço apertado, os moradores da Comuna acolhem os romeiros com gratidão pela solidariedade. Sr. Abílio Pasqual, morador da comuna há 3 anos, fala da alegria de viver ali plantando feijão e milho, cultivando a sua horta: “para mim é uma satisfação muito grande receber essa multidão, a luta tá muito difícil por causa da SABESP, mas a gente ta lutando pra conseguir a terra”.
Para Cícero Pedro da Silva de 37 anos, vendedor que há 6 anos vive na Comuna, “a nossa finalidade é ver isso aqui cheio de casa, de moradores”, Cícero é casado, tem duas filhas pequenas que freqüentam a escola do acampamento, organizada pelo MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra.
Dom Tomás Balduíno, assessor Nacional da CPT, presente durante toda a caminhada, deixou seu testemunho: “Romaria é uma caminhada, mas não é um ponto de chegada. A caminhada é em vista de algo que está por acontecer, que se liga à proposta de Jesus com o Reino que precisa ser construído, não cai do céu pronto. A romaria enfoca a terra e as águas, os direitos dos trabalhadores, dos camponeses, numa sociedade em que isso é pisado, marginalizado, de maneira que é o momento de levantar a bandeira de luta, celebrar as vitórias e reivindicar aquilo que é justo reivindicar. A Romaria se encerra na longa caminhada do povo de Deus na conquista da terra prometida, hoje mais urgente do que nunca”.
Questionado sobre a Reforma Agrária no Brasil, dom Tomás afirmou: “ela é totalmente negativa por parte deste governo, é ilusório esperar que isso venha do Palácio do Planalto, mas do ponto de vista do povo, da sociedade organizada, sobretudo organizada pelas forças que vem da terra, tem Reforma Agrária sim! E já está acontecendo. O que tem de Reforma Agrária neste país é fruto desta luta”.
Um ato relembrando os mártires da caminhada, que lutaram pelo direito à terra e à vida, encerrou a Romaria.
Curtir isso:
Curtir Carregando...