
Ex-moradora de rua, Natasha conta sua trajetória e recomeço após aceitar ajuda do Consultório de Rua, uma iniciativa do SUS de reduzir danos e ampliar possibilidades de vida dos que vivem pelas ruas
Publicado na Folha Metropolitana, em 11 de janeiro de 2014
João Ferreira Aguiar, 51, é um dos cerca de 80 milhões de brasileiros que têm algum tipo de dependência química, no caso, álcool. Nesta reportagem será tratado por Natasha, a única exigência feita para revelar sua história marcada pelo preconceito, que só tomou outros rumos há cerca de um ano, quando aceitou a ajuda do Consultório de Rua, por meio da equipe multiprofissional “Acolher” do Sistema Único de Saúde (SUS).
“Eu bebia pinga pura, tinha vezes que a assistente social vinha falar comigo e eu fugia, para ela não me ver porque eu estava dopada”, revela Natasha. O trabalho da equipe em Guarulhos é composto por um clínico geral, uma assistente social, psicólogo e enfermeiras. Consiste em construir laços de confiança com o morador em situação de rua para convencê-lo a aceitar o tratamento médico.
“Levamos praticamente um ano para convencê-la a se tratar”, conta a assistente social Helena Luisa de Sá Almeida. Para a coordenadora e enfermeira da equipe Valdenice Cristine Severino “ver Natasha bem é uma motivação para continuar o trabalho e ajudar outras pessoas”. Natasha passou por cirurgias, já está mais saudável. Mora com a prima no Jardim São Domingos. Começou recentemente em seu novo emprego como costureira, arrematando peças de roupa, só não consegue arrematar ainda a dependência ao álcool. “Me controlo, mas ainda bebo”, conclui.
A vida nos albergues
Antes de encontrar a ajuda do consultório, Natasha passou por diversos albergues, tentativas e recaídas no álcool. “O primeiro albergue que eu morei foi o São Francisco, no Glicério [em São Paulo]. Fiquei um bom tempo lá. Arrumei emprego e fui morar em um prédio social por quase um ano”, diz.
Mas a vida no albergue exigia regras, e Natasha já estava desacostumada com elas. “Passei em muitos albergues, de Cruzeiro (RJ) até chegar em Arujá (SP). Passava nas casas de convivência, nos albergues, mas não ficava lá. Quando eu bebia, eu ficava alegre e eu gostava de ficar na rua”, conta.

Denúncia de maus tratos da GCM
Nos anos que morou na rua, Natasha sofreu agressões. “A GCM [Guarda Civil Metropolitana] já me bateu várias vezes, porque eu cozinhava, eu lavava a roupa dos meninos na rua”, conta Natasha que dormia também na Praça Oito, onde conheceu um famoso jogador de futebol do Palmeiras, na mesma condição que a sua.
“Depois que aconteceu o Consultório de Rua, nós ficamos livre dessa humilhação. Nós tivemos médico na rua, enfermeiros, toda aquela coletividade de pessoas que estão em situação de querer ajudar. O Consultório de Rua é sim a solução para tirar as pessoas do vício, porque nos respeita”, afirma.
Brasil tem 14 Consultórios de Rua
O Consultório de Rua de Guarulhos é um dos 14 instalados no Brasil. Iniciou suas atividades em novembro de 2011 e recebeu aporte de R$ 100 mil para sua implantação. É itinerante, mas possui base fixa no Centro de Atenção Psicossocial (Caps AD), Álcool e Droga (rua Luiz Faccini, 518, no centro). Com atendimento de segunda a sexta-feira, das 13 às 22 horas.
As equipes também realizam intervenções educativas e psicossociais, e contam com insumos para tratamento de situações clínicas comuns, além de preservativos, cartilhas, material para curativos, e medicamentos de uso mais frequente.